Por Edílson Silva* A Arquidiocese de Recife e Olinda, através da sua Pastoral da Saúde, divulgou que vai acionar o Ministério Público contra a Prefeitura do Recife.

Motivo: a PCR anunciou a distribuição de preservativos e pílulas contraceptivas de emergência durante o carnaval.

A secretária de saúde de Recife, Tereza Campos, já informou que a distribuição será mantida.

Entidades da sociedade civil, que lutam pelos direitos humanos e das mulheres, assim como entidades da área médica, como o SIMEPE – Sindicato dos Médicos de Pernambuco, colocaram-se ao lado da Prefeitura e anunciaram que também acionarão o Ministério Público contra a Arquidiocese de Recife e Olinda.

Para alguns, como eu, a polêmica nos remete ao Fórum da Razão, da Revolução Francesa do século XVIII.

Como aceitar esses dogmas da igreja?

Não pode usar camisinha, não pode usar a pílula do dia seguinte, não pode abortar…

E aí?

Sejamos realistas: se em conventos e outros ambientes similares não se consegue disciplinar determinados desejos e a consumação destes em relações carnais, como querer discipliná-los em pleno carnaval no verão tropical de Recife?

A Prefeitura do Recife, neste caso, age com sabedoria e espírito público, colocando o tema na esfera da saúde pública, respeitando o caráter laico do nosso Estado, organizado e aceito amplamente pelo conjunto da sociedade brasileira, através da Constituição Federal, e que dá conta, minimamente, de colocar sob sua superestrutura jurídica as mais variadas manifestações de fé.

Contudo, esta polêmica nos remete também a um outro debate.

Não basta um ordenamento jurídico para se enfrentar dogmas e instituições tradicionais, fortes, hegemonicamente conservadoras, como a Igreja Católica.

Imaginem se o prefeito de uma cidadezinha do interior de Pernambuco resolvesse imitar o prefeito João Paulo nesta política de distribuir camisinhas e contraceptivos.

Sob um mesmo ordenamento jurídico os desdobramentos políticos seriam outros.

Faltaria ao prefeito amparo na cultura do povo.

Esta realidade demonstra o papel estratégico e revolucionário que os grandes centros e cidades têm no desenvolvimento da cultura, dos usos e costumes dos cidadãos, e consequentemente do conjunto da sociedade.

A vida acontece nas cidades, e nas grandes cidades este viver é mais intenso, inquietante, pois novas demandas se abrem constantemente, é um convite à movimentação, à constante transformação.

As “tendências” nascem e são experimentadas nas grandes cidades, espalhando-se posteriormente para outras localidades.

Foi assim que em séculos o capitalismo foi sendo gestado, com ênfase em novas formas de produção, enterrando gradativamente o feudalismo e a parasitária monarquia, ganhando hegemonia de baixo pra cima para dar o golpe de misericórdia a partir de guilhotinas bem afiadas na França revolucionária do século XVIII.

Tudo indica que o papel histórico das grandes cidades é estar à frente de seu tempo, quebrando dogmas e regras sociais e jurídicas que impedem ou oprimem a liberdade e a plena democracia, os avanços sociais, propondo e lutando pela institucionalização destes avanços.

Recife é uma grande cidade, uma metrópole, com todas as principais características de uma grande cidade, o que dá a qualquer gestor público as condições para enfrentar o dogmatismo católico e outros de natureza distinta e com essência igualmente bizantina.

Mas não podemos nos esquecer que já tivemos muito recentemente um prefeito que adentrou na redação de um jornal com um revolver na cintura, buscando, no mínimo, intimidar um jornalista que escrevera algo que lhe desagradou.

Felizmente já saímos desta fase, caso contrário a Arquidiocese, na atual polêmica, não acionaria o Ministério Público contra a atual gestão municipal, mas talvez chamasse um inquisidor de Roma para empalar ou queimar numa fogueira os responsáveis pela insubordinação.

O fato da polêmica agora ir parar no Ministério Público é um bom sinal.

Faz jus à grande cidade que é Recife, mas demonstra também que existem espaços no imaginário popular para se avançar muito em relação ao que se tem feito até aqui, para tanto é necessário que as gestões municipais desfaçam-se não somente das amarras com a igreja, mas também com os grupos econômicos que parasitam o poder municipal. *Presidente do PSOL/PE, escreve para o Blog às sextas.