Por João Valadares Da editoria de Cidades do JC Especialistas em sistema prisional do Brasil, ouvidos pelo JC, são unânimes em afirmar que o modelo de gestão de presídios por meio de Parceria Público Privada (PPP), a exemplo do que será implantado em Pernambuco até 2010, no município de Itaquitinga, na Mata Norte, não é a saída para amenizar a situação crítica das cadeias públicas.
Os pesquisadores classificam a privatização das prisões como “uma ação lamentável.” Defendem que a tarefa da segurança e gestão do sistema prisional é de competência exclusiva do Estado e não deve, em hipótese alguma, ser transferida para uma entidade que tem o lucro como o maior objetivo.
As principais críticas dos estudiosos são que a PPP, entre outros pontos, estimula conflitos de interesse, causa batalhas jurídicas em relação às responsabilidades em casos de morte, rebeliões e fugas, por exemplo, e, onera os cofres públicos.
A socióloga e diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro, Julita Lemgruber, uma das maiores autoridades do tema no País, diz que é inaceitável a privatização das prisões. “É inaceitável do ponto de vista ético e moral.
Numa sociedade democrática, a privação da liberdade é a maior demonstração de poder do Estado sobre seus cidadãos e, como tal, só deve ser exercida pelo próprio Estado.
Licitar prisões é o mesmo que oferecer o controle da vida de homens e mulheres para quem der o menor preço, como se o Estado tivesse o direito de dispor dessas vidas como bem lhe interessa.” De acordo com a pesquisadora, as experiências no Brasil e no mundo mostram que as gestões só funcionam bem nos primeiros anos. “No primeiro momento, a privatização parece convidativa.
O problema é que o Estado fecha contrato de 30 anos e fica amarrado.
Para ter lucro, com o passar dos anos, os custos precisam baixar e a qualidade do serviço oferecido cai.” Julita afirma que “os defensores das prisões privadas não estão preocupados com as questões legais, éticas e morais e, para esses, a privatização se justifica porque a iniciativa privada teria capacidade de gerir prisões com mais eficácia, oferecendo um serviço de melhor qualidade e menor custo.” A pesquisadora informa que o General Accounting Office, órgão do governo americano, já invalidou esse argumento. “Ao analisar estudos comparativos, realizados em diversos estados daquele país, concluiu não existirem evidências de que as prisões privadas custem menos.” Segundo Julita, funcionários de prisões privadas revelaram sofrer pressão para punir os presos com rigor, mesmo pelas faltas mais leves, “de tal forma que possam ser adiadas as concessões de livramento condicional. É a privatização ameaçando o cumprimento da pena dentro da legalidade.” O sociólogo e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Salla afirma que conflitos de competências são freqüentes. “Até hoje, sempre se alegou que o setor privado tem mais condições de gerir os presos.
O problema é que a diferença de condições para realizar a administração entre os setores públicos e privados são grandes.
Para o setor privado, os recursos são bem maiores.
O Estado não tem o mesmo volume de recursos quando ele administra.” Salla reconhece que o sistema prisional está falido. “Mas isso não significa que devemos passar para uma gestão privada.
O Estado deve incorporar os procedimentos que são realizados nas empresas.” O pesquisador informa que, no Paraná, o governo cancelou o contrato com empresas que gerenciavam o sistema. “Hoje, nos EUA, apenas 10% a 12% dos presos estão no modelo privado.
Isso diminuiu justamente em função dos questionamentos se é mais barato mesmo para o Estado.
Também houve problemas em relação a questões jurídicas.” A pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco Ronidalva Melo também criticou o modelo adotado pelo Estado. “A sociedade não manda no espaço privado.
Não há necessidade de ninguém lucrar em nome das nossas mazelas sociais.”