O promotor de justiça Miguel Sales distribuiu para a imprensa neste fim de semana um longo texto em que faz uma análise detalhada do Caso Serrambi e suas implicações.
Por determinação do procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Estado (MPPE), Paulo Varejão, Sales foi afastado do caso e está sendo trasnferido da comarca de Ipojuca para a de Camaragibe.
Ele é acusado de tentar se beneficiar politicamente do episódio ao fazer com que as investigações se arrastassem por cinco anos, devolvendo à polícia, por quatro vezes, o inquérito que apura o assassinato das adolescentes Tarsila e Maria Eduarda, ocorrido em 2003.
Na última quinta (17), mais uma vez sem a sua concordância, o MPPE pediu a prisão preventiva dos irmãos kombeiros Marcelo José de Lira e Valfrido Lira da Silva.
No texto, Sales fala em se afastar do MMPE, caso não consiga reverter a sua transferência de Ipojuca.
Leia a íntegra. “Ética e dignidade no trato do Caso Serrambi Em respeito ao povo de Pernambuco, o caso deve ser contado como o caso foi, sem distorções ou informações aleivosas, separando-se o joio do trigo, em busca da verdade real.
A justiça antes da toga, do fórum, das corporações, é um valor maior que lateja na mente e no coração dos homens.
O certo e o errado é um dado relativo, mas toda pessoa tem que ser coerente com as suas posições, e não mudá-las ao sabor dos ventos.
Não importa o número, mas a qualidade.
Na mais alta corte de Justiça, por vezes, uma questão é decida por voto de Minerva, só para citar como os homens divergem de opiniões.
Todos as minhas promoções e requerimentos foram aceitos e se transformaram em decisões da Justiça e ratificadas por outras instituições responsáveis pela segurança e a administração da Justiça.
Logo, não foi uma posição só minha.
No primeiro inquérito, mais quatro colegas atuaram no caso, e graças a eles e a mim é que foram realizadas as novas perícias a respeito do caso.
Na época, por esforços do então deputado Eduardo Campos, que dignifica Pernambuco por ser dele o seu atual governador, se instalou uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados para acompanhar o caso, e nela, inclusive, ele criticou o modo como fora feito uma das perícias iniciais.
No mesmo sentido, pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia legislativa do Estado, se instalou uma outra Comissão.
O digno Jarbas Vasconcelos, quando governador do Estado, o então ilustre Secretário de Defesa Social, João Braga, solicitaram, igual a mim, o ingresso da Polícia Federal, a qual acatou tal pedido.
Depois, que a investigação dela retornou, os pedidos de novas diligências foram deferidos por sucessivas juízas.
Recentemente, o ilustre delegado Paulo Jeann, declarou à imprensa que eu tinha razão em devolver o inquérito porque ele ainda tinha várias lacunas.
José Vieira, pai de uma das vítimas, ofereceu denuncia substitutiva ao colendo Tribunal de Justiça de Pernambuco, a qual foi rejeitada por unanimidade.
No entanto, contra ninguém se alegou que foi causado retardo na conclusão do caso ou de utilizá-lo para outros fins.
Mas é assim mesmo: na briga do rochedo com o mar, sempre sobra para o marisco.
Não importa os que por pretexto ou subterfúgios me acusam, pois enquanto promotor tenho o dever de lutar pelos princípios éticos que fundamenta a justiça material e ser coerente, jamais aceitando que algo me seja imposto goela abaixo, não importando a quantidade dos que querem assim.
Me recuso a aceitar simplesmente a composição formal do processo, que pode causar injustiça ou impunidade.
Devo trilhar, mesmo com todos os obstáculos em busca do conteúdo ético e moral da Justiça, aliás não se pode conceber ela destituídas desses valores.
Por reiteradas declarações em jornais, o pai de Maria Eduarda e seus advogados anteriores se insurgiram contra o inquérito e elogiaram a minha atuação.
Entre eles, tenho devota admiração pelo ilibado professor Nilzardo Carneiro Leão e Gilberto Marques.
O Sr.
Antonio Dourado chegou a iniciar uma briga com o Sr.
José Vieira, por ocasião da apresentação do resultado do Inquérito da Polícia Federal.
Quem não lembra?
Foi até por ele criticado por patrocinar um site (e nisso não vejo nada demais), pelo Vieira e pela própria Policia Federal, o qual deu margem uma série de denúncias infundadas, mas a sua intenção era a busca da verdade.
Se hoje ele mudou de idéia, tendo até a ousadia de me chamar de criminoso, não fui eu que deixei de ser coerente.
Quanto à sua assacada, como sou um homem sem ressentimentos, e, sobretudo, pela minha eterna condolência pela tragédia que cruzou o caminho de sua insubstituível filha, só me cabe perdoá-lo.
Tenho certeza que um dia ele voltará a me compreender.
Para evitar possíveis pretextos e não dificultar o meu direito constitucional de permanecer como promotor de Ipojuca, com também garante a Constituição da República e a legislação do MP, optei por uma Promotoria Cível, exatamente para que ninguém pudesse fantasiar que eu queria fazer do Caso Serrambi um cavalo-de-batalha.
Porém o procurador anterior, com a concordância do promotor titular criminal, me designou para continuar no caso.
O atual manteve a Portaria, porém limitando-a até o final de janeiro de 2008 e a revogando recentemente e, ainda mais, me removendo para Camaragibe, desfazendo a Portaria anterior de permuta de exercício que ele próprio tinha baixado o ano passado.
Se o digno procurador-geral achava que eu estava retardando a investigação, por que não a revogou antes tal ato, o que poderia ter feito a qualquer momento?
Acresça-se ainda que, sem expor o mérito, face o segredo de Justiça, se meu entendimento foi para que o processo não retornasse mais à Polícia Civil, mas que o próprio Ministério Público procedesse nas diligências investigatórias - não mais por mim, mas pelo promotor criminal da comarca - estaria até totalmente impedido de utilizar o processo como meio de projeção.
A minha projeção em Ipojuca, não se dá por esse caso, mas em função de 11 anos de trabalho quer no fórum, nas questões de interesse coletivo e no atendimento diário ao povo.
E este sempre me quis em Ipojuca, inclusive cheguei a pedir a muitos de seus seguimentos que não se manifestassem contra a minha saída.
Repriso, porque os jornais não têm esclarecido bem isso, a minha insurgência é em si e tão-só pelo fato de me quererem tirar de Ipojuca passando por cima da Constituição, que me garante a inamovibilidade.
E nunca foi em relação ao Caso Serrambi, pois se quisesse nele ficar teria optado pela Promotoria Criminal.
Outra grande distorção, em parte já está explicado nas razões acima, é dizer que usei o caso com trampolim político.
Todos recordam, quando o caso estava em evidência, em 2004 foi cogitada a minha candidatura para prefeito; e em 2006, para deputado.
Entre outras razões, não aceitei, exatamente para não dar margem a alguém dizer que eu estava me aproveitando do Caso.
E não seria falta de ética aceitar, pois uma coisa não tem nada ver com a outra.
A Juíza Denize Frossard, após adquirir notoriedade por botar na cadeia os bicheiros, não foi criticada por isso, e muito dignificou o nosso Parlamento.
Para citar alguns casos de Pernambuco, vários promotores (em Gravatá, Garanhuns, Jaboatão, Olinda, Paulista) foram ou cogitaram em ser candidatos a prefeito, nem por isso sofreram retaliações ou removidos involuntariamente de suas respectivas promotorias.
O que me dói mais é ver a Instituição sendo digladiada fora de seus muros.
Todos sabem que, independentemente de entrar no mérito, roupa suja se lava em casa.
Por regra da Instituição, para se manter sua integridade e unicidade, qualquer tipo de procedimento a ser instaurado contra membro do MP não é levado a público, muito menos como foi.
Simplesmente após o procedimento ser instaurado ele é apenas publicado no Diário Oficial, sequer sem citar o nome do sindicalizado ou o nome da Comarca em que atua, visando a preservação da imagem do mesmo, até porque muitas delas são infundadas e pode causar danos irreparáveis ao acusado.
Nunca vi na história do MP de Pernambuco um resultado de um inquérito ser anunciado numa sessão do seu Conselho Superior, o qual é reservado para as questões interna corporis da instituição, ainda mais anunciada por pessoas que não estão vinculadas ao processo, inclusive de forma antecipada, quando o mesmo estava e está, em certos aspectos, em segredo de Justiça.
Claro que isso não significa a negação da transparência, mas essa se dar nas ações concretas e nos procedimentos que envolvem direitos indisponíveis ou coletivos da sociedade, sobretudo no tocante aos atos da Administração Pública.
Imediatamente comuniquei ao procurador-geral não ter assinado a denúncia por ter convencimento diverso.
As razões dela são de mérito, já o pedido de relaxamento de prisão preventiva trata-se de uma questão de natureza processual, pois o cárcere, antes de sentença de condenação transitada em julgado, aplica-se penas em caráter excepcional.
Uma coisa não tem nada a ver com a outra. É de Sabença comum, que qualquer promotor de um caso, pode tanto pedir a prisão preventiva como a sua revogação, inclusive habeas corpus.
Logo, a respeito disso vir se falar no cometimento do crime de advocacia administrativa, é preciso se esquecer tudo que se aprendera nos velhos bancos da Faculdade de Direito do Recife ou em outra qualquer. À propósito disso, leia-se a opinião do jurista José Paulo Cavalcanti Filho, publicada no Blog do Jamildo, no dia 19.01.2008.
Não expus a público as minhas razões de mérito pelo não oferecimento da denúncia para não citar nome de pessoas e expor situações, para não atrapalhar futuras prováveis diligências, ademais, em face do segredo de Justiça, que a meu sentir, em certos aspectos continua, mesmo com o processo em curso.
Bate-se forte em mim pelo fato de eu ter declarado que admitia a hipótese de vir ser candidato a prefeito de Ipojuca.
Essa cogitação vem desde 1997.
E qual é o mal?
Numa democracia representativa o direito de votar e ser votado é sagrado, o resto são detalhes.
A própria Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, cujo chefe é o procurador-geral da República, consagra tal direito.
Se pode até discordar de tal ato normativo, mas não impedir, sobretudo o MP, que tem por função, entre outras atribuições, ser fiscal da lei, sobretudo quando entranhada dentro da própria instituição.
Se realmente pretender ser candidato a prefeito de Ipojuca, tomarei tal atitude no momento certo e na forma procedimental permitida, como estabelece a legislação eleitoral e as normas do próprio Ministério Público.
Registre-se que dos quadros do MP já houve diversas candidaturas, e delas foram eleitos de presidente da República a vereador.
Hoje, por exemplo, existem vários senadores e deputados dos quadros do MP.
Muitos deles, após o cumprimento do mandato, retornaram às suas atribuições, como aconteceu com Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara dos Deputados.
Do Judiciário, tivemos juízes, atualmente, entre outros, para citar uma prata da casa, o ilustre Guilherme Uchoa.
Do STF, se cogitou os nomes Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim para presidência da República.
E não me consta que nada se insinuou contra a qualquer deles antes das especulações a respeito das respectivas candidaturas, ou depois delas concretizadas.
Como a pessoa tem que ser coerente e honrar a palavra dada, pois desde menino aprendi com Exupéry que somos responsáveis por aquilo que cativamos - o verbo cativar aí no sentido de solidariedade - eu venho dizendo desde há muito que só fico no MP enquanto promotor de Ipojuca, porque não aceito que a Constituição que um dia jurei cumprir, como fazem todos os exercentes de Poder ou assemelhados, seja ferida.
Lutei até o último instante, me vendo vencido não me resta outro caminho se não trilhar por outras veredas.
E o mundo é grande, como dito nos Grandes Sertões, do imortal Guimarães Rosa.
Evidentemente, que tenho responsabilidade com o povo de Ipojuca que sempre me quis como seu promotor natural al longo de 11 anos.
Deixarei o MP dolorido e condoído, porque sacrifiquei muitos planos e afetos familiares, para me dedicar a ele com todo o meu idealismo.
Antes lecionava, lia, escrevia, mas desde há muito que não faço mais, em razão das noites mal-dormidas, do tempo abarrotado de processos, tudo no intuito de promover a Justiça, mas infelizmente esse sonho foi quebrado por desejos de alguns que se alimentam na fogueira do personalismo ou razões que não me são conhecidas ou compreensíveis.
Continuo com a minha profunda estima a todos os integrantes do MP, o qual sempre irei defender, pois fora a instituição em que me agasalhei no manto da honra e da dignidade, e assim ficarei até o último minuto, sempre na mais elevada ética e probidade.
Quem sabe, um dia eu a ele volte, por um novo concurso, noutro Estado ou aqui mesmo no Ministério Público Federal.
Quantos aos procedimentos que de forma irregular anunciaram que seriam instaurados contra mim, caso isso venha a ocorrer, espero, ao menos, ser comunicado na forma legal, para deles me defender, com as garantias constitucionais e legais que me são asseguradas, acreditando sempre na imparcialidade e na retidão da Justiça.
Miguel Sales - promotor de Justiça”