Da Folha de São Paulo Em 2000, o físico Luiz Pinguelli Rosa enviou carta ao então presidente Fernando Henrique Cardoso na qual alertava sobre o risco de uma crise de suprimento no ano seguinte.

No ano seguinte, o país teve de conviver com o apagão de 2001.

Agora, o diretor da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia) da UFRJ e ex-presidente da Eletrobrás na gestão Lula, entre 2003 e 2004, faz o mesmo alerta: se nada for feito, vai faltar energia, o que pode ocorrer ainda neste ano.

Mais uma vez, a advertência foi feita por meio de carta, enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner.

No texto, obtido pela Folha, o petista Pinguelli discorda da interpretação do governo e diz que “reduziram o problema apenas à escassez recente de chuvas”, o que coloca “em risco o suprimento de energia elétrica nos meses que se seguem”.

Cita a rápida deterioração dos reservatórios e afirma que medidas devem ser tomadas imediatamente.

Entre elas, Pinguelli destaca a necessidade de colocar em marcha um amplo plano de racionalização do uso da energia, com estímulos como o financiamento a famílias para a compra de lâmpadas mais eficientes. “Estou vendo a mesma situação de 2001 se repetir agora. É preciso antecipar medidas.

Um plano de racionalização do uso da energia é urgente.

Não seria uma imposição como o racionamento, mas algo para evitar o desperdício. É um primeiro passo”, disse Pinguelli à Folha.

O físico diz que a situação agora não se mostra ainda tão crítica quanto em 2001, quando os níveis dos reservatórios estavam mais baixos.

Mesmo assim, afirma, é preciso uma ação do governo para evitar uma crise no suprimento, que, mais uma vez, pode abortar o crescimento econômico, como ocorreu no começo da década.

Termelétricas A idéia da carta, enviada no fim de novembro, surgiu com a crise da oferta de gás, que trouxe o desabastecimento naquele período para o Rio e São Paulo. “Não temos gás para as térmicas, o que é problema de planejamento.

Fizemos as usinas sem prever o suprimento de gás para elas. É um contra-senso.” Para mitigar o problema, o físico sugere a criação de um mercado secundário de gás.

Ou seja, a possibilidade de negociação de contratos que possam ser interrompidos para indústrias e postos de combustível caso haja a necessidade de abastecer termelétricas. “Não faz sentido rodar carros a gás neste momento [em que há demanda por geração de energia termelétrica].

As indústrias também têm de ser bicombustíveis”, afirma Pinguel- li, que disse ter conversado com integrantes do Ministério de Minas e Energia sobre os problemas apontados na carta.

Outro nó a ser desatado, afirma, é a crescente demanda de energia dos chamados consumidores livres (grandes empresas), que compram diretamente das geradoras.

O problema, afirma, é que, com a falta de energia e os preços mais altos no mercado livre, esses grandes consumidores buscam cada vez mais o suprimento das distribuidoras, desorganizando o planejamento do setor. “É que ninguém sabe quanto eles consomem.

Os contratos com as distribuidoras não são públicos.” Ele estima que 30% da energia consumida no país vá para os consumidores livres, com pouca margem de controle dos agentes do setor como ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) -que receberam a carta, encaminhada pelo ministério.

Outro lado Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se pronunciou até a conclusão desta edição sobre a carta enviada pela Coppe nem sobre os alertas nela contidos.

Desde quarta, a Folha está em contato com a assessoria do Ministério de Minas e Energia, que recebeu cópia da carta da Coppe.

No dia seguinte, a assessoria pediu mais tempo para responder às questões enviadas pela reportagem.

Disse que na sexta-feira atenderia à demanda.

Não foi o que ocorreu.

A reportagem deixou recados ao longo de todo o dia nos telefones fixo e celular dos assessores, que não responderam.

Já o ONS confirmou o recebimento da carta e informou que está avaliando o seu conteúdo e que vai enviar a sua análise ao ministro, que encaminhou o documento ao órgão.

A Aneel não quis se manifestar sobre o assunto.