“Ninfa potável” Por Carlos Heitor Cony RIO DE JANEIRO - Em 1961, um jornalista brasileiro estava em Israel fazendo reportagens quando recebeu, no hotel King David, onde se hospedava, o convite para um encontro com Ben Gurion, patriarca do novo Estado.
A entrevista com o homem mais importante do país não estava no roteiro do profissional, mas não havia motivo para recusar o convite.
Após os cumprimentos de praxe, cabia a Ben Gurion iniciar a palestra.
Na realidade, ele queria entrevistar o jornalista.
E começou com a pergunta: “Por que o senhor Jânio Quadros renunciou à Presidência da República?”.
Tendo saído do Brasil havia mais de 20 dias, o jornalista não sabia ainda que Jânio dera o fora em apenas sete meses de governo.
Apelou para a generalidade: “Problemas, muitos problemas, o Brasil tem muitos problemas…”.
Ben Gurion interrompeu: “Como problemas?!
O Brasil tem tanta água… os maiores rios do mundo…”.
Israel lutava, naquela época -e de certo modo luta até hoje-, contra a escassez daquilo que os jornais antigamente chamavam de “precioso líquido”, e o Antônio Houaiss, para evitar o lugar-comum, chamava de “ninfa potável”.
O país só possuía um rio, o Jordão, que tem mais história do que água.
Perfurava o solo áspero e cheio de pedras para buscar não petróleo, mas água para irrigar os desertos.
Com o tempo, criou uma agricultura que espantou o mundo.
Compensou a aridez de seu território com tecnologia e imaginação.
Fazendo furos de metro a metro em mangueiras de borracha, dessas de regar jardins, com pouca água controlada por computadores, conseguia matar a sede multisecular de um solo empedrado.
Por que estou lembrando tudo isso?
A transposição do rio São Francisco, que provocou a greve de fome de um bispo bem-intencionado?
Não sei.