Caderno C Não é possível dizer que cada dia da semana tenha sua poética própria, que seja fácil destacar a identidade de uma quarta ou de uma terça-feira, se bem que alguns falam da crise das manhãs de segunda ou das expectativas por trás de uma noite de sábado.

Mas, na maioria das vezes, esta tarefa depende (muito) mais de expectativas pessoais.

Intransferíveis.

No entanto, se tem um dia que se destaca de todos os outros é o domingo, sinônimo de lentidão, lojas fechadas, trânsito vazio, de encontro ou silêncio cinematográfico.

Foi pensando na exceção que é o domingo que o jornalista Fernando Menezes escreveu As entranhas do domingo – e outras mais amenas.

O livro tem noite de autógrafos nesta quarta-feira (12), no Varejão do Estudante.

A obra tem início com o passeio do autor pelo centro do Recife num dia de domingo. É o centro como território partido entre a glória de um passado difícil de localizar e a decadência do presente. “Na cidade velha, a cara dos buracos, no reboco dos sobrados, abre a boca escura com o espanto das testemunhas mudas.

As ruas estreitas e sujas exibem os restos de tudo que ali acontece, o amor feito às pressas, as cascas das frutas fermentadas, o odor de pobreza e decadência.

A feira de antiguidades está plantada ali naquele cenário, cuja tristeza do abandono nem a luz forte da manhã esconde”, escreveu/vaticinou Menezes.

Esse texto é fruto de um passeio real que o autor fez pelo centro do Recife.

Mas metade do seu fluxo emocional foi criado pelo autor. “Eu fiquei imaginando o que aconteceu naqueles casarões, como viviam aquelas pessoas”, explicou.

Na verdade, todo o livro segue essa mesma linha de raciocínio: fatos verídicos em que a ficção invade deliberadamente Como bom jornalista que é, Fernando Menezes não consegue criar por si só.

Precisa sempre do apoio do real. “Todo o livro surgiu de conversas que escutei na rua, de fatos reais.

Acho que é a profissão do jornalista que persegue mesmo, esse desejo de sempre contar alguma coisa”, declarou.

Um dos textos mais tocantes da obra é o making of de uma reportagem, quando o autor e um fotógrafo decidiram passar alguns dias infiltrados dentro do hospital psiquiátrico da Tamarineira.

A idéia era sentir de perto a realidade dos internos.

A experiência não serviu para as páginas dos jornais.

Mas resultou na descoberta de personagens fortes, como China, que não lembra como é que foi parar ali.

E pior: nem deseja ir embora, de tanto que ficou acostumada com a realidade do hospital.

Em outro momento, um interno avisa ao fotógrafo a impossibilidade de tirar uma foto real da sua condição. “Você pode ter tirado o retrato da gente, mas não tirou o retrato do coração da gente.

O coração da gente pede para ir pra casa, mas ninguém ouve.

Quem ouve coração?”, lembrou/escreveu Fernando nessa sua ode à lembrança como invenção.

SERVIÇO: Lançamento de As entranhas do domingo (e outras mais amenas), de Fernando Menezes: Quarta-feira, às 18h30, no Varejão do Estudante (Av.

Manoel Borba, 267/283, Boa Vista)