NÃO Por Gustavo Krause Não, para gramática portuguesa, é um advérbio que exprime negação.
Para o Padre Vieira, “uma bofetada com a língua áspera e injuriosa” que foi sendo adocicada pelo jeitinho brasileiro de ser, pela “cordialidade” das relações pessoais, pela linguagem afetiva tão cara ao nosso povo.
Não se diz com gestos e palavras.
O gesto de meneio de cabeça e o vaivém do indicador significam não, firme ou suave, dependendo da intensidade da mímica.
Existe o não que é o disfarce do sim, quando dito pelas “mulheres que só dizem sim”.
Existe o não cívico.
Dele, a história está repleta.
Pode ser pacífico ou revolucionário.
Em ambos, há um dado em comum: é uma reação à opressão, à supressão das liberdades, ao desrespeito dos direitos humanos das pessoas; é o bê-á-bá da cartilha dos tiranos.
Cuidemos do não cívico manifestado pacífica e democraticamente.
O mais belo de todos vem da Índia.
Seu autor, a “Grande Alma”, Mahatma Gandhi que “não era um santo que se tornou político, mas um político que tentou ser santo”.
Sua doutrina na língua pátria era Satyagraha que significa a procura da Verdade, a resistência não-violenta.
De tanto ouvir não, sob as mais variadas formas, o portentoso Império Britânico, foi vencido por um corpo fragílimo de força moral indestrutível.
Na história recente, o mais importante dos não foi dado pelo povo venezuelano ao tiranete Hugo Chávez.
Seus caminhos, sua doutrina, seus trejeitos de personalidade patológica buscam na submissão do povo venezuelano a realização de um projeto totalitário (autoritário já o é).
Seus caminhos repetem o trajeto de tantos que se serviram dos próprios mecanismos da democracia representativa para falsificar a vontade popular (plebiscito, referendo e as empulhações da democracia participativa) para paulatinamente esmagar as liberdades políticas, os instrumentos de controle social, a pedra angular da democracia que é a alternância do poder, os valores e o oxigênio do regime que se exprimem pela livre opinião da Imprensa, do Parlamento e do Poder Judiciário.
Uma vez esmagados, sua sede inescrupulosa de mando transforma o poder num grão de areia que caberia em suas mãos insensatas.
Sua indecifrável doutrina, o “Socialismo do século XXI”, “A revolução bolivariana”, é, antes de tudo, um berro “Pátria, socialismo, ou morte”! e, ao mesmo tempo, uma agressão às idéias de Simon Bolívar e à ideologia socialista.
Antes traidor do que seguidor dos ideais bolivarianos, Chávez esqueceu a mais importante lição do Libertador: “Somente a democracia, no meu conceito, é suscetível de uma liberdade absoluta”.
Quanto ao socialismo, faltam-lhe pendores para admitir uma ideologia que requer um partido orgânico, hierarquizado e, muito menos, uma equivocada, porém, crença firme num processo dialético da história.
O paradigma de Chavez é Castro.
Seu ideólogo, porém, é Norberto Ceresole, assessor de Alvarado no Peru, interlocutor de Perón, com claras inclinações fascistas, que repassou para o seu discípulo a idéia-chave dos elementos da “revolução bolivariana”: um caudilho, um exército subserviente e um povo escravizado.
Sua personalidade obedece ao padrão dos tiranos clássicos: habilidade retórica e talento teatral histriônico.
Os evidentes traços de um neurótico obsessivo e de um pervertido narcisista respondem por uma diarréia verbal que resultará na hipertrofia de suas glândulas salivares.
Mas, ninguém se engane: este vomitório retórico brota da intuição manipuladora das emoções de cada platéia e funciona como o complemento lógico da profunda aversão pelo debate, repulsa pelos intelectuais e da necessidade vital de derrubar os inimigos.
A explosão de ódio de Chávez ao qualificar a vitória da oposição no referendo como uma “vitoria de mierda” revela a exata dimensão do caudilho.
Sequer é original.
O general Pierre Cambronne respondeu ao ultimato de rendição do exército inglês na batalha de Waterloo com uma “merde” heróica.
A diferença é que Cambronne passou para história.
O não do povo venezuelano já fez história.
E o destino de Chávez e dos espertos idiotas que o seguem está escrito nas páginas de Gabriel Garcia Márquez em “O outono do patriarca”: velho, carcomido pelos urubus, cercado de vacas e serviçais, pretores e áulicos, dramaticamente só com sua hérnia de estimação, como solitário é o poder que somente serve ao seu dono.