Por Edilson Silva Desde o dia 27/11 o Bispo de Barra (BA), Dom Luiz Flávio Cappio, está em sua segunda greve de fome.
O motivo da greve é o fato do governo Lula ter traído o acordo feito publicamente com ele em 2006, quando este fez sua primeira greve de fome em defesa do Rio São Francisco.
Naquela ocasião, o governo se comprometeu em fazer um amplo e transparente debate com a sociedade sobre o projeto, processo que não aconteceu.
Após trair o acordo, o governo iniciou as obras do projeto com mandatos de reintegração de posse contra os movimentos sociais que lutavam na beira do rio contra a transposição.
Com estes gestos de malandragem e truculência, o governo Lula contava que a obra já estava imposta à sociedade.
Com relação à segunda greve de fome do Bispo, a estratégia central do governo era isolar a luta de Dom Cappio e daqueles que se somam a ela.
Os grandes veículos de comunicação não divulgam as movimentações em torno do tema e o ministro da Integração Regional, Geddel Vieira Lima (PMDB/BA), responsável do governo Lula pelo projeto, vinha se limitando a afirmar que as obras iriam continuar, entregando Dom Cappio à misericórdia divina.
Mas a coragem e determinação de Dom Cappio reascenderam com força a batalha contra a transposição do Rio São Francisco.
A força e a nobreza de seu gesto mobilizam e angariam apoios de amplos setores e movimentos sociais, como o segmento artístico, que elaborou um manifesto subscrito por Letícia Sabatella, Wagner Moura, Chico Diaz, Osmar Prado e outros.
Partidos como o PSOL, através de sua presidente, Heloisa Helena, já compareceram à Sobradinho (BA) para prestar solidariedade e apoio à Dom Cappio.
Movimentos sociais como a CONLUTAS, CPT e MST estão mobilizados nacionalmente.
A comunidade de São Francisco, no município de Sobradinho (BA), local onde Dom Cappio se encontra, está transformada numa trincheira de fé, esperança e luta.
Atos com milhares de pessoas acontecem com regularidade.
A estratégia de isolamento de Dom Cappio não deu certo, e a linha oficial agora, tudo indica, é a da desqualificação do seu gesto e dos apoios que vêm recebendo.
Em artigo publicado na Folha de São Paulo de 10/12, o próprio ministro Geddel vai à ofensiva contra Dom Cappio.
O governo Lula, através do seu ministro, admite a força simbólica do gesto de Dom Cappio, ou seja, acusa o golpe.
A partir daí, classifica-o de terrorista e desrespeitador das instituições e da democracia.
Geddel fez questão de salientar que seu artigo não entraria no mérito da questão da transposição.
Faz sentido, pois Geddel, antes de ser ministro da Integração Regional, ou seja, antes de tomar posse da caneta que liberará os bilhões de Reais para as obras, era radicalmente contra a transposição.
Então, neste caso deve ter sido aconselhado a não entrar no mérito, pois os próprios argumentos do Geddel, quando deputado federal baiano, seriam suficientes para desmoralizá-lo.
Mas, em matéria de contradição, Geddel não está só no governo Lula.
A ex-esquerda que hoje está no poder também sempre foi contra a transposição, mas a tal caneta tem o mágico poder de mudar opiniões e conceitos.
E aqui podemos entrar numa das questões chaves do argumento do governo contra Dom Cappio.
Acusam-no de não respeitar a democracia, que as instituições e a “maioria” não podem dobrar-se diante de um ato simbólico terrorista.
Mas é democrático mudar sua proposta de governo após chegar ao poder?
Lula por acaso colocou em seu programa, em sua propaganda eleitoral, que iria transpor as águas do São Francisco?
Quem está desrespeitando a democracia é Lula e seu governo, primeiramente através de uma fraude eleitoral.
Além disso, a legislação brasileira estabelece que as populações das bacias hidrográficas devem ser consultadas e respeitadas na definição de projetos envolvendo as respectivas bacias.
No caso do Rio São Francisco, a população disse não, mas o governo passou por cima e quer tocar as obras de todo jeito.
Dom Cappio está fazendo um desafio ao governo Lula: vamos debater amplamente e com transparência e quem tiver os melhores argumentos leva.
Mas o governo não quer, pois sabe que o projeto é insustentável sob qualquer ponto de vista, sobretudo por que não vai levar água de beber ao semi-árido, mas sim para fazendas e indústrias.
Então, a greve de fome de Dom Cappio tem um forte componente do respeito radical às instituições à democracia. É uma greve cidadã.
Contudo, o governo Lula, através de seu ministro, vai além, e tenta passar também a idéia de que Dom Cappio está banalizando um gesto que deve ser utilizado apenas em situações extremas.
Lembrei-me do motorista Eriberto França, que foi decisivo no impeachment de Collor.
Um deputado aliado de Collor, em uma das sessões da CPI, perguntou-lhe, ironizando, se estava fazendo as denúncias apenas por amor à Pátria.
Eriberto foi arrasador: e o senhor acha pouco?
Geddel, ao definir os motivos da greve como banais, estabelece um divisor de águas, no caso inclusive literalmente, no debate. É banal a defesa do rio de integração nacional de um país com as dimensões do Brasil?
A greve de fome de Dom Cappio é uma declaração de amor ao Rio São Francisco e a tudo o que ele representa para as populações ribeirinhas, para o nosso ecossistema, para as gerações futuras.
Dom Cappio quer que as obras parem, para que a sociedade possa debater amplamente e decidir democraticamente, e por isso merece todo nosso apoio e solidariedade.
PS: Edilson Silva é presidente do PSOL/PE, escreve às sextas para o Blog de Jamildo, mas na semana passada farrapou porque estava justamente em Sobradinho com HH.