Por Jayme Asfora “Essa moça tem certamente alguma debilidade mental.
Ela em nenhum momento declarou sua menoridade”.
A frase dita pelo delegado Raimundo Benassuly, durante audiência na Comissão de Direitos Humanos para tratar do caso da menina que ficou presa com 20 homens em uma cela na cidade de Abetetuba, no Pará, nos mostra toda a hipocrisia existente hoje no País no que diz respeito ao trato com nossos semelhantes e as justificativas muitas vezes usadas quando se trata de algum crime bárbaro - mesmo que não resulte em homicídio.
Se não, vejamos: o índio Galdino, queimado vivo em uma calçada de Brasília, teria sido confundido com um mendigo, segundo os seus algozes.
Então mendigo pode e índio não?
Os rapazes que espancaram a doméstica Sirlei Dias de Carvalho Pinto, no Rio de Janeiro, justificaram a atrocidade dizendo que teriam a confundido com uma prostituta.
Prostituta pode e doméstica não?
E, no Pará, uma mulher pode ficar presa em uma cela com homens, mas uma adolescente não?
Uma coisa é a nossa população ser obrigada a conviver com a violência cotidiana por causa das grandes desigualdades sociais existentes no País - e que precisa ser combatida e também prevenida diariamente com ações de repressão e educação.
Mas outra é conviver também com esse tipo de violência que não acontece pela falta das condições mínimas de sobrevivência.
Essa é a violência do preconceito enraizado em nossa sociedade.
Essa é a violência gratuita cometida por jovens de classe média, estudantes e, nesse caso recente, até por um delegado - que além de ser uma “guardiã da lei”, deveria ser a primeira a lutar pela garantia dos direitos das mulheres - em um Estado governado por uma mulher e que tem outra à frente da Secretaria de Segurança Pública.
E assim como as mulheres são vítimas, também são vítimas desse preconceito os negros, os homossexuais e toda a população colocada, muitas vezes, à margem da sociedade pelo simples fato de terem uma cor, uma religião ou uma orientação sexual considerada “diferente”. É preciso uma punição rigorosa e exemplar para esses crimes.
Daqui a 10 anos, não queremos os responsáveis pelo que aconteceu com essa garota ocupando postos de direção na segurança pública do Pará ou de qualquer Estado que seja.
Como também não queremos que aqueles rapazes cariocas que espancaram a doméstica possam escapar, praticamente, impunes como aconteceu com os que queimaram o índio Galdino.
Afastar todo e qualquer preconceito existente no Brasil é um trabalho que precisa começar cedo.
E, assim como a violência cotidiana, precisa passar por medidas educativas, mas também punitivas.
PS: Jayme Asfora é presidente da OAB-PE e escreve para o blog às quintas.