O CUSTO político e os riscos econômicos implícitos na admissão da Venezuela de Hugo Chávez como sócio pleno do Mercosul já pareciam altos no momento em que a proposta foi formulada, há dois anos.

Tornaram-se impeditivos. É preciso discernir o episódico -a passagem de Chávez pelo poder- do essencial -o Estado venezuelano-, diz o governo Lula.

Aceitar a premissa é tapar os olhos diante da realidade.

Desde sua ascensão, o chavismo atua, com sucesso, para subordinar as carcomidas instituições políticas, jurídicas e legislativas da Venezuela ao mando presidencial.

Não está em jogo a continuidade de transações comerciais e parcerias pontuais com o vizinho, que têm agenda própria, em parte governamental, em parte empresarial.

Debate-se a conveniência de conceder ao regime chavista, e não a uma Venezuela abstrata, o status de parceiro estratégico do bloco.

A escalada autocrática de Chávez é notória, embora ocorra sem ruptura formal da democracia.

Essa evidência já bastaria para recomendar o congelamento da admissão da Venezuela como sócio pleno.

O Brasil deve fazer negócios com todas as nações do planeta, independentemente do seu regime político, mas não está obrigado a compartilhar aspectos da soberania com regimes hostis ao livre mercado e ao cânone democrático: a separação e o equilíbrio entre os Poderes, a alternância no governo, a ampla liberdade de imprensa.

Um Estado que vai se confundindo com seu presidente não oferece garantias institucionais de que as normas de livre comércio e de proteção a investimentos, essenciais ao bloco, serão respeitadas.

Chávez manipula a seu bel-prazer as regras para o investimento estrangeiro.

A explosão das vendas brasileiras para a Venezuela, citada em apoio à aceitação do novo sócio, não tem conexão com o Mercosul.

Foi deflagrada pelo surto de consumo naquele país, propiciado pela extraordinária alta dos preços do petróleo.

Comprar de nações com indústria e agricultura desenvolvidas é indispensável para o abastecimento interno da Venezuela.

Enquanto durar o ciclo da commodity, o Brasil continuará a se beneficiar do comércio bilateral.

Mas a justificativa para um pacto de livre comércio deve levar em conta também o que o Brasil ganha com as compras ao candidato a parceiro.

Não há nada que se produza na Venezuela, cuja dependência histórica do subsolo vem sendo reforçada pelo chavismo, capaz de tornar a economia brasileira mais competitiva.

As nossas importações daquele país são insignificantes.

A política externa brasileira deveria buscar mais autonomia para negociar acordos internacionais.

No âmbito do Mercosul, o ideal seria postergar o projeto de união aduaneira (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai se comportam com uma nação para fins de negociação comercial e aplicação de tarifas de importação) e reforçar a associação como zona de livre comércio (imposto zero nas transações intrabloco).

Dar a Chávez o poder de veto no Mercosul seria caminhar no sentido contrário.

O bloco, cujo manejo já é delicado, ficaria virtualmente ingovernável.

A possibilidade de acordos amplos com os EUA e a própria União Européia diminuiria bastante.

Por tudo isso, o melhor é que o Congresso diga não à entrada da Venezuela no Mercosul.