- Para minha geração, nascida logo após a Segunda Guerra, o grande debate político foi a descolonização, a africana em particular, mas simultaneamente prestamos muita atenção ao que acontecia na América Latina com a Revolução Cubana, as guerrilhas, a repressão.
Hoje o interesse é maior porque, quando todas as esquerdas internacionais parecem esgotadas, aqui surgem esquerdas muito diferentes entre si, mas com apoio popular forte em quase todos os países em que há eleições. - É óbvio que uma parte do crescimento latino-americano se deve à conjuntura econômica internacional.
Mas há agora uma situação especial na região, em razão da sua pacificação geral, com exceção da Colômbia; da democracia, com regimes legítimos e legais; e do fato de governos de esquerda estarem adotando uma política mais ou menos intensa de redistribuição. - Falei de pacificação no sentido de que os governos são legítimos e não há insurgências.
Mas isso não quer dizer que não haja violência social.
O Brasil e o Chile estão entre os países mais desiguais do mundo.
E há toda a tensão política em torno da Venezuela, em razão da rapidez e da força da transformação lá, que desestabiliza os poderes tradicionais. - Tenho a sorte de ter acompanhado a experiência venezuelana desde o início e de ter podido conversar regularmente com o presidente Chávez.
Me parece que até agora ele manteve sua linha de respeito absoluto ao funcionamento democrático e à economia de mercado, por outro lado levando adiante a política de redistribuir os lucros do petróleo. - Antes de introduzir a proposta de reforma constitucional, Chávez já era objeto de ataques muito violentos.
O argumento da Constituição não é mais do que a continuação dessa política de desqualificação permanente.
O fato é que o presidente nunca disse que ia impor a reforma da Carta, mas propor e submetê-la à decisão popular.
Ninguém se escandaliza no mundo porque em 2000 o presidente [francês Jacques] Chirac fez um referendo para mudar a Constituição e permitir que o presidente pudesse ser reeleito indefinidamente, sem a limitação a dois mandatos. - Chávez sabe desde 2002 que a personalização do processo boliviariano o expõe de maneira excessiva.
Contrariamente a tudo o que se diz, desde então ele está ampliando o processo, tirando poder da oligarquia e do sistema tradicional e transferindo-o maciçamente à sociedade.
Dessa maneira, se o matam amanhã, o que desgraçadamente é possível, a sociedade tem poder para defender o processo. - A internet suscitou uma grande ilusão, a de uma comunicação democrática, relativamente barata, fácil de conseguir e planetária.
Hoje vivemos uma certa decepção.
Em geral os sites de internet mais freqüentados, os dez primeiros em cada país, já pertencem aos meios dominantes desse país.
Resta a alternativa individual de criar um site, um blog. - Acho que é preciso estimular todos os meios públicos, criar um equilíbrio entre meios privados e públicos, que não existe na maioria dos países latino-americanos.
Eu propus a criação de observatórios.
Hoje os meios de comunicação são o único poder que não têm um contrapoder, como têm os poderes político, econômico.
O poder midiático não aceita um contrapoder, por essa característica de se considerar o guardião da liberdade de expressão e da democracia. - Os observatórios não têm o objetivo de censurar ou corrigir, mas de submeter os meios aos critérios de funcionamento jornalístico que eles próprios definem.
Publicariam um informe sobre os desrespeitos aos objetivos expressos pelo próprio meio e seriam formados por jornalistas, professores de comunicação e leitores. - Também passamos dificuldades na difusão em papel.
Nossa página na internet tem crescimento regular, mas a edição francesa teve queda de 5% neste ano.
Temos 70 edições internacionais, que somam 2 milhões de exemplares.
FOLHA - E como vai seu jornal?
RAMONET FOLHA - Qual é o limite entre a fiscalização e a censura?
RAMONET FOLHA - E o que o senhor propõe?
RAMONET FOLHA - Que balanço o senhor faz da revolução das comunicações produzida pela internet?
RAMONET FOLHA - Mas mesmo alguns dos que apoiaram Chávez estão preocupados com a centralização do poder na figura dele e na supressão do debate até dentro do governismo.
RAMONET FOLHA - Há dois aspectos preocupantes na situação interna venezuelana: a reforma constitucional, que concentra os poderes nas mãos do presidente, e a pouca tolerância com o debate.
Chávez não radicalizou demais depois da reeleição?
RAMONET FOLHA - O senhor tem estado muito próximo de Chávez, não?
RAMONET FOLHA - O senhor falou num ambiente de pacificação, mas esse não é o quadro que se vê na Venezuela ou na Bolívia, por exemplo…
RAMONET FOLHA - Muitos apontam que a melhora econômica na região se deve à situação internacional e não a políticas de esquerda.
RAMONET FOLHA - Seu interesse pela América Latina cresceu nos últimos tempos, não?
IGNACIO RAMONET