Na metade do ano passado, produzindo uma matéria especial em um trabalho free lancer para o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, fui até a favela conhecida como Vila Imperial, que de nobre não tem nada, apesar de estar localizada em plena Agamenon Magalhães, uma das principais vias da metrópole.
As condições sub-humanas de habitação não eram novidade, pelo menos para quem não é carioca, embora mesmo assim revoltantes.
Ao conversar com os moradores, a surpresa pessoal ficou por conta de um dos depoimentos.
Uma das moradoras revelou um nível de politização que surpreendeu-me.
Ela reclamava que a prefeitura do Recife alegava não ter recursos para dar-lhes moradia digna, mas tinham arrumado dinheiro para gastar em um show de Sandy & Júnior, promovido em dezembro de 2004 pela Prefeitura do Recife.
Passados dois anos, a senhora não havia esquecido.
Eu também não.
O escândalo fora denunciado por este repórter, no Natal de 2004, em reportagem exclusiva publicada na editoria de Política do Jornal do Commercio.
Uma intensa polêmica formou-se antes mesmo da realização do show, uma vez que a prefeitura desembolsou R$ 480 mil reais para Sandy & Júnior.
Tudo saído dos cofres públicos.Nas reportagens, a assessoria da dupla admitiu que o preço de show era R$ 200 mil e tudo o mais que foi incorporado era de responsabilidade dos produtores locais.
Para o bem ou para o mal, nunca fui perdoado, por alguns petistas mais ideológicos, pelas denúncias.
Junto com o colunista Paulo Sérgio Scarpa, sempre que podia cobrava uma posição do Ministério Público do Estado.
Havia ou não irregularidades?
Por mais estranho que possa parecer, o MP levou três anos para formar uma opinião e apresentar uma ação.
A ação foi apresentada no dia 28 de julho último, pela promotora da Defesa do Patrimônio Público, Andréa Nunes, que entrou com a ação na Justiça.
O MPPE solicitava, além da indisponibilidade dos bens dos citados, a devolução de R$ 195 mil ao Executivo municipal.
No final de agosto, a juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública, Clara Maria de Lima Callado, extinguiu, a ação de impropriedade administrativa – movida pelo MPPE – contra os envolvidos na contratação do show da dupla Sandy & Júnior.
A decisão da magistrada que sequer chegou a julgar o mérito da ação, decidindo arquivá-la.
Na sentença, a juiza justifica a decisão dizendo que artistas podem ser dispensados de licitação.
Não era nem nunca foi a raiz dos questionamentos.
O MPPE questionava irregularidades no contrato, na prestação de contas e na prestação do serviço.
Segundo o MPPE, a Luan lucrou R$ 46,2 mil em comissão, que poderiam ter sido poupados pela PCR.
A promotora também apontou falhas na prestação de contas dos serviços realizados pela Luan e na sublocação do palco a uma terceira empresa, exatamente igual ao que o JC havia denunciado, cumprindo o seu papel de defender o dinheiro público.
No dia 28 de julho, escrevi aqui, já na tribuna do Blog de Jamildo, que o MP estava na obrigação de recorrer. pois, no direito, uma expressão muito comum diz que decisão monocrática existe para ser atacada.
Como a senhora da Vila Imperial, o Ministério Público não esqueceu de questionar a contratação do show da dupla Sandy & Júnior.
Nesta segunda-feira, o promotor de Defesa do Patrimônio Público, Valdemir Tavares de Albuquerque Filho, entrou com uma apelação contra a decisão da juíza.
O MPPE avaliou que a juíza não chegou a analisar o mérito da petição inicial.
O processo agora será julgado de forma colegiada, por um Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça (TJPE).
A ação será analisada por um colegiado de três desembargadores de uma Câmara de Direito Público, que podem, ou não, acompanhar o voto do relator. “Em tese, a decisão tangenciou o mérito da ação.
Ela só analisou a inexigibilidade da licitação, que não era questionada pelo MPPE.
No processo de contratação, sem a licitação, é que ocorreram irregularidades”, argumenta o promotor. “Pela Lei, os artistas deveriam ter sido contratados diretamente ou pelo empresário exclusivo da dupla.
Mas a Luan se meteu e ganhou intermediando a apresentação, o que trouxe prejuízo ao erário”, detalha Valdemir.
De acordo com o promotor, a contratação da dupla Sandy & Júnior também não passou pela apresentação de prévio orçamento, o que fere a Lei de Licitações. “A decisão não observou também que o contrato não permitia a subcontratação de outra empresa para a montagem do palco do evento, sob pena de rescisão.
Mas a Luan sublocou o palco de uma terceira empresa, com conhecimento da presidente da Fundação de Cultura”, argumenta o promotor.
Exatamente igual ao que o JC havia denunciado, cumprindo o seu papel de defender o dinheiro público.
Sejam R$ 200 mil, R$ 3 milhões ou R$ 30 milhões.