Por Flávia de Gusmão Não vou falar só por mim, mas por todos os meus colegas de redação.

As lágrimas que compartilhamos não são iguais às dos outros.

Não são melhores, nem piores; nem mais, nem menos importantes.

São diferentes e exclusivas.

Não vou falar do Orismar Rodrigues que circulava pelos salões da sociedade, onipresente em todos os lugares que exigissem sua atenção profissional.

Este Orismar todos conheceram, de uma forma ou de outra, fossem nossos leitores, fossem anfitriões ou convidados das baladas chiques do Recife.

Eu até gosto mais de falar deste outro, o amigo de batente, porque com ele compartilhamos momentos inesquecíveis e íntimos, repletos de significados cifrados que só quem vive muitas horas por dia numa incubadora, processando notícias, sabe decodificar e rir com eles.

As duas “personas” nos foram arrancadas brusca e dolorosamente, de um golpe só.

O companheiro Orismar saiu daqui do JC na sexta-feira 21 de setembro dizendo o seu tradicional “bom fim de semana e até segunda-feira”, para nunca mais voltar.

O jornalista Orismar cumpriu sua tarefa até a madrugada do domingo 23, para, poucas horas depois, dar entrada numa emergência hospitalar e, algumas semanas mais tarde, ir embora para um lugar que a gente não sabe muito bem qual, muito menos por que, sem dizer nada para ninguém.

Ficou devendo a última piada, a última tiração de onda, o último muxoxo, a última fofoca de bastidores, o último elogio que ele tanto e tão generosamente espalhava entre todos os seus colegas de trabalho.

Existe um lugar vago no “Quadrilátero da Frescura”, piada interna que identifica o limite territorial que compreende as editorias de Social e Caderno C.

Adorávamos brincar com a idéia de que a turma do hard news, o pessoal que lida diariamente com o caos social, político e econômico, nutria de que nós só escrevíamos sobre o lado colorido da vida.

Era, sim, um quadrado mágico onde todos eram bem-vindos para exercitar o dom de rir de si mesmos.

Um forma geométrica que continha em seu interior uma maneira borbulhante, despretensiosa, artística e festiva de lidar com a seriedade da vida e das pessoas.

Um antídoto para as coisas que envenenam a alma.

Falta um lado, não sei se jamais será reconstituído.

O próprio Orismar era a “vítima” maior dessas brincadeiras, que ele recebia com um sorriso no canto dos lábios, sempre.

Sabíamos do seu status na sociedade pernambucana, sua iconização, e a utilizávamos como mote.

Certa vez, antes de ele chegar, arrumamos seu computador tal qual fosse um altar.

Cada um contribuiu com alguma coisa.

Ao redor da sua foto colocamos as “oferendas”, qualquer coisa que estivesse à mão por ali: fotos, convites, livros, papel de presente.

Ficamos esperando ansiosos sua chegada para rir, não dele, mas com ele.

Gostávamos de chamá-lo de “entidade”.

Foi também graças a esse convívio fechado que aprendemos coisas que não lemos em colunas sociais.

Que Orismar Rodrigues era um inveterado romântico.

Acreditava no amor e em se apaixonar de verdade; acreditava na união duradoura, na elevação dos sentimentos, na alma que encontra outra alma.

No meu rol de pedidos lançados no espaço cósmico, gostaria de acrescentar ainda este: “Queria viver tanto quanto ele viveu e ainda acreditar”.

Na simplicidade do cotidiano que faz de nós meros soldados no quartel, e não personagens glamourosas que muitos do lado exterior constroem, entendemos que o garoto nascido e criado em Gravatá nunca se mudou de dentro do grande cronista do dia-a-dia da cidade grande.

Ele enfatizava isso à mesa, quando chegava o seu almoço pedido por telefone, revelando um menu absolutamente pueril.

Tinha um paladar de criança, um pouco como também era o seu espírito.

Sua timidez de menino do interior emergia nos momentos mais inusitados e, nessas horas, se estava com alguém de sua confiança, agarrava-a pelo cotovelo como se empunhasse um escudo.

Era aí que percebíamos a necessidade urgente de mais uma persona a se acoplar às duas primeiras: o poeta, de versos curtos e profundos, de uma melancolia que se revelava para poucos.

Era com este ofício que ele pairava sobre todas as outras facetas de sua própria existência.

O Orismar-poeta podia falar de tudo, sentir tudo, enaltecer seu gosto pelo belo, pelas artes, pelas roupas lindas, pelos acessórios fashion, seu absoluto encanto pelas crianças.

No efêmero mundo de quem faz e é notícia, seus versos ficam aí, pelo menos para nos dar uma última palavra que o destino, só de sacanagem, não nos autorizou a receber.

PS: Leia amanhã, no seu JC, jornal líder diário em todo o Nordeste, este e outros textos que fazem parte da bela homenagem que a redação e diretoria do JC fizeram ao colunista, sem nenhum favor, uma das figuras mais queridas do jornal.