PS: Pachêco é historiador.

Rosato, psicóloga.

Os dois integram a equipe do Gajop.

Por Alexandre Pacheco e Cássia Rosato Nas últimas semanas tem sido difícil identificar alguém que ainda não tenha assistido ao filme “Tropa de Elite” ou, de uma forma ou de outra, se incomodado com os temas abordados por ele.

Polêmico e provocativo, este longa-metragem se tornou o epicentro de uma grande onda de incômodos.

Baseado nas fontes do igualmente polêmico livro “Elite da Tropa”, o filme é basicamente um “relato de guerra”.

Narrado pelo personagem do impressionante ator Wagner Moura - um capitão do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da PM do Rio de Janeiro - seu roteiro é uma paradoxal “ficção baseada em fatos reais”.

Personagens imaginários lidam com situações e fatos reais de forma desconcertante.

Temas como tráfico de armas, de drogas, tortura, execuções sumárias e corrupção são tratados com tamanha crueza que é possível desejar, em alguns momentos, que esta fosse apenas uma obra de ficção, em todos os seus aspectos.

Dadas às circunstâncias é bem possível imaginar o porquê dos incômodos, não?

Bem, o primeiro deles é o provocado por uma boa obra cinematográfica.

Aquele que persiste por horas depois da leitura dos créditos, nos desafiando e impelindo a uma segunda ou terceira sessão.

Elemento essencial na composição desta sensação é, com certeza, a narração.

Se este era o objetivo do diretor, ele conseguiu.

Tal ângulo de visão instiga, cutuca.

Principalmente a nós, defensores/as de Direitos Humanos.

Não só pela maneira como se materializam nossas denúncias (torturas, crimes, execuções, etc.), mas principalmente por retratar uma lógica perversa na administração desses conflitos. Ótica que introduz a história e conduz seus personagens até o tiro final.

Seu conteúdo pode ser sintetizado nas três opções dadas a todo policial por seu narrador: corromper-se, omitir-se ou ir para a guerra.

Realmente, o desenrolar não indica nenhum outro trajeto ou atalho minimamente democrático para essa questão.

Entretanto, absorver a visão do policial-narrador de forma acrítica é negar diversas outras visões de segurança pública que são viáveis e se contrapõem à violência policial como solução para a criminalidade.

A afirmação de tal inexistência é em si a negação de outras formas de encarar o problema, a negação do diferente.

Na verdade, é a concretização de um projeto cruel de uma sociedade através do qual a polícia assume um papel sanitário e a população de baixa renda um papel de alvo.

Outro incômodo já não tem seu ponto de partida nas telas, mas sim na reação do público. É realmente assustador constatar que uma significativa parcela da população brasileira se sente contemplada nas idéias de crime e punição empunhadas pela Tropa de Elite.

Talvez porque as saídas apresentem resultados rápidos, nem que sejam cemitérios cheios. É de se perguntar onde estão os milhões investidos para educação popular e construção de uma cultura de paz.

Bem… esse é outro desconforto e tema para outro artigo.

Ainda podemos citar o mal-estar de parte da mídia que assumiu uma postura “policialesca”, taxando o filme de fascista. “O ritmo de filmagem é rápido, não deixa o espectador pensar, é fascista!”, gritaram uns. “A música na subida do morro é rock and rool, isso é coisa de fascista!”, deliraram outros.

Cada dia que passa se torna mais interessante ver como setores midiáticos estão ficando esquizofrênicos!

Por favor, senhoras e senhores sejamos mais centrados e equilibrados em nossas críticas.

Tais ataques não colaboram para uma reflexão séria sobre a obra, nem quanto à realidade que ela busca representar.

Pois, enquanto narrativa ou elemento para reflexão, a mesma lógica criticada neste artigo, é tão válida quanto qualquer outra.

Tropa de Elite cumpre o papel de uma boa ficção que simplifica e retrata parte de uma dada realidade.

Tem, acima de tudo, o mérito de reproduzir de forma a instigar a crítica de uma visão de mundo que se traduz em práticas muito concretas.

Os últimos de nossa lista, porém não menos afetados pela tropa, são os agentes de segurança.

Com a proximidade do lançamento oficial do filme, a preocupação fardada cresceu, pois a película escancara práticas desmentidas até o limite do bom senso.

Por falar nisso, ninguém pode deixar de reconhecer o esforço sobre-humano das Polícias Militares no sentido de negar algumas coisas e relativizar outras.

Na semana de estréia foram televisionados pelo menos quatro debates com participação de policiais e até mesmo integrantes do BOPE.

Momentos onde o incômodo militar era quase palpável.

Sem falar nas matérias veiculadas pela mídia escrita, onde, de alguma forma, oficiais opinavam sobre o teor de realidade na ficção.

Além dessa movimentação institucional, algumas reações individuais têm chamado à atenção do público. É o caso de policiais honestos e/ou vítimas da corrupção de suas próprias corporações que têm se manifestado tímida e anonimamente em apoio ao que consideram uma denúncia.

Por outro lado, situações lamentáveis se associam ao longa-metragem.

Alguns dias atrás, um agente penitenciário teria supostamente cometido suicídio num cinema da região metropolitana do Recife, logo após a polêmica exibição.

Posteriormente a imprensa divulgou que o agente estava sob suspeita de facilitar a entrada de drogas na unidade prisional onde trabalhava e que já havia assistido duas vezes a cópia pirata do longa-metragem.

Atribuir o possível suicídio ao filme é uma irresponsabilidade sem tamanho.

Desrespeito com uma obra cuja mensagem não é a da prática da violência ou da desvalorização do indivíduo.

Assim como elucubrar sobre questões subjetivas que ligassem o agente a obra de ficção seriam, no mínimo, prematuras.

Entretanto, não podemos deixar de manifestar alguma surpresa com os elementos que se comunicam.

De volta à terra firme, resta a constatação de que apesar da verdadeira tropa de incomodados criada pela obra de José Padilha, ainda há muito debate a ser provocado.

Esperamos que outros mini-tsunamis como este diminuam o tempo de calmaria que costuma aparecer entre os bons filmes brasileiros.