Dona Lindu e a insensatez por Gustavo Krause Bárbara Tuchman, premiadíssima historiadora norte-americana, nos legou um primoroso livro, editado em 1985 pela José Olympio, com o título A Marcha da Insensatez – De Tróia ao Vietnã.
A obra é uma sólida construção intelectual da historiadora e um consistente trabalho de pesquisadora incansável que trata de um dos mais estranhos paradoxos da condição humana: a sistemática procura, pelos governos, de políticas contrárias aos seus próprios interesses.
De grande atualidade, as lições e os exemplos de Tuchman ajudam a compreender o comportamento do Prefeito que insiste em construir o Parque Dona Lindu e, se dedicava indiferença olímpica áo clamor da comunidade, agora zomba da opinião pública ao anunciar e tentar justificar o valor exorbitante da obra.
O foco do livro é o comportamento insensato dos governantes que se distingue das outras formas de desgoverno e assume características de loucura política desde que sejam observados alguns critérios, entre eles, “o curso viável de ação alternativa, então, disponível”.
De outra parte, a autora demonstra que a insensatez é um fenômeno observável ao longo da história e não guarda relação com o tipo de regime em vigor: monarquia, oligarquia, ou democracia produzem-na indiferentemente.
Um dos momentos mais ricos da narrativa é a análise de Tuchman sobre o período renascentista, quando seis papas (1470 a 1530) – cinco italianos e um espanhol – exerceram o poder com tamanha insensatez que conseguiram espatifar a unidade da Igreja com a cisão protestante.
Cada um contribuiu, a seu modo, ora com despudor, ostentação e luxo, ora, sanguinários, com guerras fratricidas, ora com delírios de culto à personalidade de tal ordem que uma estátua colossal do Papa Júlio II, fundida em bronze, foi construída por sua determinação.
Seus inimigos pouparam a posteridade da herança boçal: derrubaram-na, transformando o bronze em canhão, debochadamente apelidado de La Giulia.
No exercício do poder, todos compartilharam dos persistentes aspectos da insensatez: indiferença ao descontentamento dos fiéis, busca do auto-engrandecimento, ilusão da invulnerabilidade que alimentam a soberba, o orgulho e a onipotência.
Com exceção dos puxa-sacos, dos militantes partidários e dos desavisados de plantão, uma multidão de pessoas, muitas politicamente insuspeitas, outras de respeitável estatura intelectual, todas movidas pelo bom senso, se perguntam: por que o Prefeito insiste com um projeto caríssimo, o parque Dona Lindu, que não atende os desejos da comunidade, que contraria o interesse público e, portanto, representa uma ação política contrária aos próprios interesses?
Só há uma resposta: a insensatez, confirmada pela possibilidade de alternativa simples, viável e desejada que é o projeto reivindicado pela comunidade.
Aliás, insensatez que permeia outras iniciativas: o projeto orla, caro e despropositado do ponto de vista urbanístico; a via mangue que mal se sabe como começa e não se sabe quando e como termina; uma concessão para tratamento de resíduos sólidos cujos procedimentos não resistem a uma análise jurídica minimamente apurada e, o que é mais grave, não responde às questões tecnológicas, ambientais e econômico-financeiras.
Parece que a soberba alimentada pelas vitórias eleitorais, mudou um estilo que, fabricado ou não, tinha um toque de humildade e inclinação democrática; parece que o orgulho é o mesmo conselheiro do monumentalismo inconseqüente dos Papas de renascença, dos Faraós do velho Egito, dos Césares e Napoleões ainda não extintos da vida das nações; parece que a onipotência não é só um estado de espírito, é, também, um projeto de poder que a esta altura tem nome e serventia (falta combinar com os eleitores).
No caso do Prefeito, o que parece é e o que não parece, também, é.
A comprovação está na resposta irônica dada pelo Prefeito para justificar o aumento do custo da obra em 64%, o equivalente a 11,6 milhões de reais: “Coisa boa e de qualidade custa caro”.
Mais caro, ainda, quando o pagamento é feito com o nosso dinheirinho, o dinheirinho do contribuinte.
Ninguém merece.
Muito menos, Dona Lindu.