Por Edílson Silva* Em maio de 1987 ingressei pela primeira vez numa oficina ferroviária.

Iniciaria ali um de meus estágios do curso de técnico eletromecânico.

Na conversa com o engenheiro responsável pela supervisão do estágio, um quadro na sala me chamou a atenção, com uma foto de uma imponente locomotiva GE e uma frase logo acima: “30 anos de vida.

A RFFSA vai longe”.

E eu vou junto, pensei, do “alto” dos meus 19 anos.

Ingressei no quadro efetivo da empresa e nela permaneci até o ano 2000, especializando-me neste período na manutenção de locomotivas e seus componentes.

O quadro na sala do engenheiro fazia parte de uma iniciativa do governo José Sarney, em comemoração aos 30 anos de fundação da RFFSA – Rede Ferroviária Federal.

Em 30 de setembro de 1957, o Estado brasileiro definiu criar a RFFSA, encampando e unificando as muitas ferrovias regionais existentes a época, em sua maioria construídas ainda no “período dos ingleses”, responsáveis pela chegada ao Brasil da tecnologia ferroviária.

Os objetivos de criação da RFFSA eram ao mesmo tempo corretos e visionários.

Unificar a malha ferroviária nacional, normatizar procedimentos de ordem técnico- operacional, reduzir custos, elevar a produtividade, integrar e interligar o país pelos trilhos, o meio de transporte terrestre mais barato que se conhece.

Dez anos após o meu ingresso na estatal, em 1997, a criação da RFFSA completava 40 anos.

Diferentemente de um quadro imponente comemorando a data e avisando que a empresa iria longe, a comunidade ferroviária debatia-se contra a privatização.

A empresa tinha sobrevivido aos governos Collor e Itamar, mas não conseguia demover o governo FHC da idéia fixa de dar uma marcha-ré na matriz de transporte do país, fragmentando a já frágil unidade ferroviária nacional.

Para além dos aspectos de concepção de gestão e papel do Estado na organização da vida econômica do país, a proposta de privatização da RFFSA era particularmente perversa.

O modelo apresentado dividia a malha ferroviária em seis pedaços, sem definir compromissos com a manutenção de uma política de integração ferroviária do país, sem compromisso com a filosofia que norteou a criação da RFFSA.

Era a exacerbação da panacéia neoliberal, colocando nas mãos do mercado o futuro de uma área estratégica e que precisa de planejamento de longo prazo, sempre.

A malha ferroviária foi fatiada, através de concessões de 30 anos de uso para setores privados.

O governo argumentava que a privatização se justificava pela falta de recursos públicos para investir na malha, contudo, as empresas concessionárias foram buscar em fundos públicos, como o BNDES, recursos para fazer os “investimentos privados”.

No último dia 30 de setembro a RFFSA completaria 50 anos, mas foi liquidada antes disso, em 31 de maio de 2007, sob o comando do governo Lula e sob os protestos da comunidade ferroviária, da imensa “família” ferroviária, à qual me incluo.

O transporte ferroviário nacional privatizado mergulhou completamente na lógica do mercado.

O transporte social e como fator de integração nacional e regional acabou-se, dando lugar à quase exclusividade de corredores altamente lucrativos, geralmente em direção aos portos e para exportação.

Em Pernambuco, o fechamento da Linha Centro, que ligava Recife ao Agreste, e sobre a qual corria o Trem do Forró, é um exemplo concreto desta opção dos governantes de nosso país.

Uma empresa privada não quer saber se esta linha é estratégica ou interessante para a sociedade, se pode dinamizar o turismo regional, transportar estudantes, desafogar o tráfego de veículos na BR 232, diminuindo assim o custo elevado com manutenção rodoviária.

O que importa é o lucro privado, de curto prazo.

Entro neste tema esta semana por que no último dia 09/10, terça-feira, na Bolsa de Valores de São Paulo, o governo federal privatizou sete trechos de rodovias federais, que passarão a ter pedágios.

A irracionalidade continua, e se aprofunda.

A “filosofia” ferroviária sempre teve no Brasil inimigos poderosos, organizados no que chamamos de “lóbi rodoviário”.

Interesses econômicos de distribuidoras de combustíveis, fabricantes de autopeças, pneus, veículos pesados, empreiteiras que adoram tapar buracos, etc., se fazem refletir nas opções políticas sobre a matriz de transporte no Brasil, sobretudo de carga.

Num país com a nossa topografia, com nosso potencial de mercado interno e com nossas demandas, fazer a opção pelo modal rodoviário é de uma irracionalidade inconcebível.

A economia do país perde em custo direto, pois o transporte ferroviário consome, em média, 20 vezes menos combustível que o rodoviário.

Há ainda custos adicionais com acidentes, ruídos, poluição, seguros, dentre outros.

Para a infelicidade do país, o governo Lula não reestabeleceu a RFFSA e não cobra das concessionárias ferroviárias as poucas metas que assumiram no momento dos leilões de privatização.

Ao contrário, segue a lógica rodoviarista e, pior, com aprofundamento das privatizações, deixando patente seu radicalismo neoliberal. *Edilson Silva é presidente do PSOL-PE e escreve às sextas para o Blog do Jamildo (excepcionalmente, esta semana, o post do seu artigo foi publicado no sábado).

Ele é também um dos articulistas do especial Tropa de Elite, que você confere na barra do lado esquerdo.