por Sérgio Montenegro Filho A exclusão dos senadores peemedebistas Jarbas Vasconcelos (PE) e Pedro Simon (RS) dos quadros da Comissão de Constituição e Justiça, na semana passada, foi mais uma prova de que, embora se intitule “a casa do povo”, o Senado Federal, lamentavelmente, se transformou num poder privado.

E com um só dono: Renan Calheiros.

Montado na base parlamentar que mantém sob rédeas curtas, o presidente do Senado nem esperou baixar a poeira da primeira absolvição, no processo por quebra de decoro - sob a acusação de ter suas contas pagas por um lobista de empreiteira -, e já foi tratando de retaliar os dois correligionários.

Ao longo dos três meses em que se arrastou a polêmica, Jarbas e Simon se tornaram duros críticos da permanência de Renan no cargo.

Mas não de graça.

Defendiam que, em nome da ética, ele se afastasse da presidência ao menos para dar ao Senado um mínimo de credibilidade para julgá-lo.

Embora seja do mesmo partido que os dois desafetos, Renan Calheiros não tem nenhuma aproximação nem identidade com Jarbas e Simon.

Os dois, vale lembrar, são fundadores do MDB e integrantes da ala dos “Autênticos” do partido, grupo que combateu bravamente o mais sombrio período do regime de exceção, com atuação fundamental na redemocratização do País.

Nessa época, Renan não passava de um simples deputado estadual em Alagoas, eleito graças à militância no reduto do movimento estudantil daquele Estado e, claro, ao poderio financeiro da família.

O hoje todo-poderoso senador alagoano só ganharia notoriedade nacional anos depois quando, eleito deputado federal, ajudou a articular a candidatura do governador-estreante Fernando Collor de Mello à Presidência da República.

Como recompensa pelo esforço empenhado, Renan ganhou o cargo de líder do governo Collor na Câmara.

Ali, sentiu pela primeira vez o cheiro do poder na esfera federal.

Enebriado, resolveu arriscar-se na disputa pelo governo de Alagoas, em 1990.

Só não contava em ser traído pelo próprio Collor, que trocou seu palanque pelo do também desconhecido Geraldo Bulhões, impondo-lhe uma derrota significativa e um ostracismo do qual só sairia quatro anos depois, quando conquistou o primeiro mandato no Senado. É certo que Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon ganharam toda a antipatia de Renan e seus aliados, com discursos sobre a “podridão” que, segundo eles, teria tomado conta do Senado.

Está mais que provado que falar, publicamente, a verdade - sobretudo quando se trata de amigos do rei - pode ser muito perigoso.

Mas por mais que a pregação dos dois peemedebistas incomodasse os colegas parlamentares, encontrava total eco nas ruas, onde a imagem da Casa já estava pra lá de enlameada.

Esse clamor popular - refletido até mesmo em faixas abertas por torcidas organizadas nos estádios de futebol - parece não chegar aos ouvidos da cúpula detentora do poder no Senado.

Alheio ao barulho, o grupo de Renan continua mandando, ou melhor, desmandando, sem dar a mínima para as regras estabelecidas por eles próprios.

E se o grupo já interferiu abertamente na Comissão de Constituição e Justiça, a mais poderosa da Casa, ninguém duvide do que possa vir a acontecer na composição do Conselho de Ética, ao qual cabe deliberar sobre os demais processos que ainda correm contra Renan.

Ali estão alguns senadores adversários, dispostos a levá-lo a julgamento no plenário.

Essa, porém, é uma alternativa praticamente descartada.

Com todo o cerceamento de opinião, o clima de intimidação aos opositores e os sinais claros de absolvição no ar - estimulados, inclusive, pelo Palácio do Planalto, tudo indica que os próximos capítulos da novela devem, mesmo, afundar de vez o Senado no mar de lama.

Sérgio Montenegro Filho é repórter especial do Jornal do Commercio.