Por Wilfred Gadêlha Da editoria Internacional do JC Maltrapilho e baleado, Ernesto Guevara de la Serna recebeu, no início da tarde de 9 de outubro de 1967, uma saraivada de tiros da metralhadora do suboficial Mario Terán e tombou inerte no chão de barro batido de uma escolazinha do paupérrimo povoado boliviano de La Higuera.

Terminava ali a trajetória do argentino nascido 39 anos antes, que levou esperança e repulsa a milhões de pessoas enquanto se embrenhava pelas selvas e montanhas de Cuba, Congo e Bolívia.

Che Guevara era argentino, mas se considerava latino-americano.

O ícone maior das esquerdas do mundo começou sua carreira de guerrilheiro depois de muito peregrinar pelo continente.

Formado em medicina, jamais exerceu a profissão regularmente.

No dizer do médico boliviano Reginaldo Ustariz Arze, autor de dois livros sobre Che, teve mais de 30 ofícios: de pedreiro a dentista, passando por diplomata, cortador de cana e maquinista.

Até fotógrafo, como atestou o marroquino-uruguaio Aurelio Gonzalez: “Estava fotografando o Che em Punta del Este, em 1965, e ele me disse que, quando viveu no México, foi fotógrafo para sobreviver”, disse ele, de passagem pelo Recife.

Mas não foi batendo fotos que Che ficou famoso.

Conheceu Fidel Castro em julho de 1955.

A empatia foi imediata.

No ano seguinte, foi um dos 81 ocupantes do iate Granma, que desembarcou em Cuba para derrubar Fulgencio Batista.

Che virou logo homem de confiança de Fidel.

Dele, recebeu a patende de comandante.

Liderou colunas e libertou povoados, na marcha vitoriosa da Revolução Cubana rumo a Havana.

Na capital, entrou triunfante, no dia 2 de janeiro de 1959, em cima de um tanque e ovacionado pela população.

O espírito irriquieto de Che – demonstrado anteriormente nas duas viagens de moto pela América Latina, uma delas transformada no filme Diários de motocicleta, de Walter Salles – reapareceu enquanto ele ocupava cargos burocráticos no governo cubano.

Foi presidente do Banco Central e ministro da Indústria.

Deixou o último cargo para ir guerrear no Congo belga, nos confins da África.

Era março de 1965. “Tivemos uma reunião antes das férias dele.

Eu ia para a China e ele ia cortar cana, como sempre fazia.

Pelo menos foi o que disse, porque Che não avisava que iria lutar numa guerrilha.

Abraçou-me, me desejou boa viagem e nunca mais nos vimos”, conta, por telefone, de Brasília, o cubano Tirso Sáenz, vice-ministro de Che.

Da experiência frustrada na África, Che voltou seus olhos para a Bolívia, à época dominada pela ditadura do general René Barrientos.

Entrou disfarçado no país e em 7 de novembro de 1966, começava a guerrilha que terminou com a sua morte. “Começa hoje uma nova etapa”, escreveu no seu diário o meticuloso líder do Exército Nacional de Libertação da Bolívia.

Onze meses depois, perdido, traído e sem conseguir estabelecer contato com os desconfiados camponeses bolivianos, foi aprisionado, em 8 de outubro de 1967.

No dia seguinte, caía morto.

Daí em diante, tudo é versão.

Uns dizem que se acovardou na hora da morte.

Outros alegam o contrário.

Não importa: em La Higuera, morria o homem, nascia o mito.

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