O JORNAL NOSSO DE CADA DIA Por Joca Souza Leão Miguel Arraes trabalhava no antigo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e ia freqüentemente ao Rio de Janeiro, à época a capital federal.

Na sala de espera, encontrava sempre com um velho pernambucano, há muito radicado no Rio.

Trocavam palavras amenas, o camarada perguntava por algumas pessoas do Recife, lugares, as chuvas na Zona da Mata e no Sertão, essas coisas.

Depois de um tempo sem vê-lo, Arraes o reencontrou.

Papo de sempre e ausência justificada: “Eu vinha aqui todos os dias para ler os jornais de Pernambuco.

Mas agora, já não conheço mais nem os mortos dos anúncios fúnebres.

Por isso, estou indo para o Instituto Brasileiro do Café (IBC), que é mais perto de casa, e leio os jornais do Rio, mesmo.” Como se dissesse, “é o jeito, tenho que me contentar com jornais que não são os meus”.

Só se é de um lugar quando se tem mortos nele, como escreveu García Márquez.

E se conhece os mortos dos amigos, digo eu.

Jornal, pra mim, é atávico.

O café, a poltrona, o jornal.

Sem isso, prisão de ventre na certa.

E o jornal da manhã nos tem que ser familiar. É convivência que se tem de pijama, não cabe cerimônia.

Quem lê o Diario de Pernambuco deve perguntar com intimidade ao porteiro do prédio, “o Diário já chegou?” Eu, “o Commercio já chegou?” Jornal a gente tem que lhe reconhecer a cara, as páginas, seções e colunas, sem ter que procurar nada.

Eu mesmo leio tudo, de cabo a rabo, e ainda dou uma espiada nos classificados.

Não sou jornalista, sou leitor.

E acho que em boa medida os jornais de hoje se equivalem.

As crises nacionais e internacionais, os desastres de trem e avião, a visita do papa, o último crime medonho, sanguessugas e mensaleiros estarão nas primeiras páginas, com mais ou menos destaque, um com título melhor hoje, outro, melhor amanhã.

Um tem a coluna de fulano, o outro a de sicrano.

As duas são boas.

A diferença, pra mim, está no noticiário, colunas, artigos e crônicas locais.

E viva a diferença!

Não estou acima nem abaixo do bem ou do mal e muito menos imune a julgamentos.

Mas em certa altura da vida a gente tem o direito de dizer o que pensa, sem se preocupar tanto se alguém vai achar que é puxa-saquismo ou se há outros interesses envolvidos.

Corre-se o risco.

E ponto.

Há três anos, mais ou menos, Jamildo Melo fez uma série de reportagens no JC sobre o Turismo em Pernambuco, comparando-o ao de outros Estados do Nordeste, sobretudo Bahia, Rio Grande do Norte e Ceará.

A conclusão?

Há muito tempo estamos perdendo posição relativa para os nossos vizinhos.

Jamildo foi fundo, identificando males, diagnósticos e remédios.

Tudo de graça, na bandeja, sem que o Estado ou o trade tivessem gasto um tostão.

Pauta de jornal local.

Jamais do Estadão ou da Folha.

A poluição visual do Recife.

Outra.

No dia seguinte à primeira matéria no JC, a prefeitura tava se mexendo, tirando placas ilegais, mandando projeto de lei para a Câmara Municipal, o escambau.

Se a lei pega e a prefeitura fiscaliza, o Recife deverá isso à pauta de um jornal.

Local.

E se uma não pega e a outra não fiscaliza, o jornal taí, aliás, taqui, em cima, pra cobrar.

Agora, tá na pauta a favelização do Recife e de Pernambuco.

E não estamos nem nos referindo às mais de 700 favelas da região metropolitana e milhares nas periferias das cidades do interior.

Mas à invasão dos espaços públicos do Recife por todo tipo de comércio e de bares-favelas nas praias que se pretendem turísticas.

Segurança, saúde e educação públicas, corrupção, economia, refinaria, estaleiro, restauração e preservação do patrimônio histórico e arquitetônico (como a Igreja da Penha e o Sítio Histórico da Capunga), cultura, ecologia, defesa dos espaços urbanos (como a desapropriação do Hospital da Tamarineira), transporte, conta de luz e água, direitos do consumidor, cartas à redação.

Essa a pauta de um bom jornal local, que faz suas as bandeiras da população, que ele apóia, educa e informa.

A liderança é conseqüência.

Que entre mortos e feridos salvem-se todos, Pernambuco e o Recife.

Viva o jornal local. *Joca Souza Leão é publicitário, contista e cronista bissexto.