Por Ricardo Noblat, no seu blog Na última sexta-feira 28 de setembro, tão logo desembarcou pela manhã em Goiânia de volta de Brasília, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) recebeu uma ligação no seu celular.

Do outro lado da linha, o próspero empresário Pedrinho Abrão, dono, entre outros negócios, de um hangar no aeroporto da cidade, foi logo dizendo: - Preciso encontrá-lo.

Mas tem que ser na minha casa.

O assunto é importante.

Abrão é figurinha carimbada da política de Goiás.

Foi presidente do PTB.

Como deputado federal, acabou acusado em novembro de 1996 de ter cobrado comissão a um lobista para destinar verba do Orçamento da União a uma obra tocada pela construtora Andrade Gutierez.

Processado por quebra de decoro, foi absolvido em maio de 1998.

Mora em uma confortável casa do bairro chamado Setor Oeste de Goiânia.

E foi ali por volta das 13h30 que recebeu a visita de Demóstenes.

O que contou deixou de pé os ralos fios de cabelos que teimam ainda em enfeitar a careca do senador.

Na segunda-feira 24, Abrão havia se reunido em um escritório de advocacia de Goiânia com Francisco Escórcio, mais conhecido como Chiquinho Escórcio.

Ex-senador pelo Maranhão nos anos 90, ele foi funcionário da Assessoria Parlamentar da presidência da República entre 2004 e 2006.

Era lotado na Assessoria de Comunicação Social da Casa Civil. É assessor de Renan Calheiros na presidência do Senado desde novembro do ano passado.

Seu salário líquido, ali, é de R$ 7.407,81 Uma secretária de Renan admitiu a este blog que é muito difícil encontrar Escórcio no gabinete da presidência do Senado.

Ele não tem sala certa nem dia certo para aparecer por lá.

Na sua ficha cadastral não consta número de telefone – apenas o endereço de onde mora na cidade-satélite de Taguatinga. É fácil, porém, esbarrar em Escórcio no prédio do Senado.

Como ex-senador, ele tem livre acesso ao plenário.

E é visto sempre por lá conversando em voz baixa com os senadores.

Um dos seus interlocutores mais freqüentes é José Sarney (PMDB-AP), de quem é amigo e ex-correligionário. - Renan está montando um dossiê contra os senadores que votaram a favor da cassação dele - foi logo dizendo Escórcio a Abraão na presença de dois advogados.

E disse ainda que no caso de Goiás era preciso grampear os telefones dos senadores Demóstenes Torres e Marcone Perilo (PSDB). - Demóstenes até que não tem muita história política.

Mas Marcone tem – justificou Escórcio. “O nosso trabalho com isso é levantar informações que possam fazê-los não votar mais contra Renan”.

Absolvido no processo onde foi acusado de ter tido despesas com sua ex-amante Mônica Veloso pagas pelo lobista Cláudio Gontijo da construtora Mendes Junior, Renan ainda enfrentará mais três processos. É suspeito de ter livrado a cervejaria Schincariol de milionária multa aplicada pelo INSS – em troca, ela comprou por preço absurdo uma fábrica de refrigerantes falida de Olavo Calheiros, irmão de Renan. É suspeito de ter usado laranjas para comprar um jornal e duas emissoras de rádio em Maceió.

E, por fim, é suspeito de ter se beneficiado de verbas públicas desviadas de ministérios controlados pelo PMDB.

Abrão declinou do convite feito por Escórcio para que o ajudasse na montagem de um esquema de arapongas locais que deveria grampear os telefones de Demóstenes e de Perilo. -Não quero me meter nisso - justificou.

Mas como deve antigo favor a Demóstenes, resolveu informá-lo a respeito. - Os caras estão jogando pesado – advertiu Abrão quando recebeu Demóstenes em sua casa. “Eles querem virar todos os votos que foram pela cassação de Renan”.

Demóstenes tentou falar com Perilo por telefone ainda na sexta-feira, logo depois do seu encontro com Abrão.

Não conseguiu.

Perilo estava fora do Estado.

No início desta semana, em Goiânia, os dois finalmente se encontraram.

De Perilo, Demóstenes ouviu então que ele já sabia de tudo por meio do próprio Abrão.

Na verdade, Demóstenes, Perilo e outros senadores sabem muito mais do que Abrão revelou.

Sabem, por exemplo, que gente ligada a Renan procurou em São Paulo o escritório da multinacional Kroll, empresa que se apresenta no seu site como “líder mundial na área de Consultoria em Gerenciamento de Riscos”.

E que “auxilia clientes a prevenir e combater ameaças, maximizar oportunidades de negócios e proteger funcionários e ativos”.

Assessores de Renan levantaram todas as emendas ao Orçamento da União apresentadas por senadores destinando verbas para Ongs.

A Kroll foi contactada para investigar se as verbas chegaram de fato aos seus destinos, como foram aplicadas e se parte delas não recheou os bolsos de senadores.

Como Abrão, a Kroll preferiu ficar de fora.

Este blog tentou falar com Abrão há pouco - não conseguiu.

Tentou falar com Perilo - ele está incomunicável.

De Demóstenes Torres, no momento em Goiânia, ouviu: - Na próxima semana, pedirei formalmente ao meu partido que que vá fundo nesse assunto.

Como é possível que um assessor do presidente do Senado, com ou sem autorização dele, esteja ocupado em montar esquemas para grampear telefones de senadores?

Isso é um absurdo.

Mais do que absurdo: é um crime.