Os esquecidos de Boa Viagem Por Raul Henry A Praia de Boa Viagem é um dos mais belos cartões-postais do Brasil. É também o mais democrático de todos os nossos espaços de lazer. É freqüentada e desfrutada por ricos e pobres, sem distinção.

Pertence a todos os pernambucanos.

Além disso tem, na sua Avenida à beira-mar, o metro quadrado mais caro do mercado imobiliário.

Por todas essas razões, a Avenida Boa Viagem tem a melhor infra-estrutura da cidade, necessitando apenas de uma atualização do seu saneamento básico.

Mesmo diante dessa constatação, a Prefeitura do Recife vem anunciando, nos últimos meses, uma série de intervenções no local.

A primeira delas foi o Parque Dona Lindu, projeto contratado ao consagrado arquiteto Oscar Niemeyer por R$ 2 milhões.

O conceito do parque, cuja obra está estimada em R$ 18 milhões, não agradou à comunidade.

Sua expectativa era que o espaço fosse ocupado por uma vasta área verde, nos moldes do Parque da Jaqueira, e o projeto prevê um espaço cultural para eventos de grande público, onde predomina o concreto.

Diante da reação negativa da comunidade à concepção do projeto, a prefeitura resolveu anunciar a implantação de um novo parque, também na Avenida Boa Viagem.

Esse sim, com ênfase no paisagismo, em um terreno pertencente à iniciativa privada, cuja desapropriação está estimada em R$ 80 milhões.

A esse montante ainda devem ser somados os custos do projeto e da execução da obra.

Mais recentemente a Prefeitura iniciou uma intervenção para substituir todo o pavimento de pedras portuguesas da avenida por tijolos de concreto intertravado.

Custo: R$ 18 milhões.

A totalização dos custos das 3 intervenções chega à ordem de R$ 120 milhões.

O primeiro questionamento que cabe fazer é em relação ao quesito prioridade.

Será que é justo, em uma cidade tão cheia de contrastes, com tantas áreas marcadas pela exclusão social, serviços básicos precários e absoluta inexistência de infra-estrutura, concentrar recursos em um espaço que tem condições urbanas plenamente satisfatórias?

O segundo questionamento é: Por que retirar o pavimento de pedras portuguesas do calçadão da Avenida Boa Viagem?

Nada justifica essa intervenção.

E há vários motivos para que ela não seja feita.

O pavimento de pedras portuguesas já está incorporado à paisagem da praia.

Adquiriu o caráter de patrimônio da cidade.

Deve ser preservado como parte da sua história urbanística, assim como devem ser preservados todos os bens culturais que representam a identidade de um povo e de um lugar.

A idéia da preservação da memória, cultivada em todas as civilizações avançadas, está sendo violentada sem a menor cerimônia. É como imaginar Copacabana sem seu mundialmente conhecido calçadão de pedras portuguesas com o desenho das ondas do mar do Rio de Janeiro.

Outro fato é que, para seguir o mesmo padrão estético e manter a identidade do espaço urbano, os edifícios da Avenida Boa Viagem, de maneira coerente, também construíram calçadas com pedras portuguesas.

Com a obra do calçadão, essa coerência será, simplesmente, destruída.

Quanto ao argumento da acessibilidade, a avenida é tida como modelo pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea).

E mesmo que fossem necessários alguns melhoramentos, eles poderiam ser feitos com custos muito menores e sem o rompimento com a preservação do patrimônio.

Por fim, há que se questionar o desperdício.

Não faz o menor sentido, em uma cidade com tantas carências, desfazer, para depois refazer, o que já está feito.

E, vale a pena ressaltar, bem feito.

Por tudo isso, as intervenções da Prefeitura do Recife na Avenida Boa Viagem constituem uma sucessão de equívocos e, infelizmente, o último deles trará o irreversível prejuízo de destruir uma parte da história da cidade.

PS: Raul Henry é deputado federal pelo PMDB e deve ser o candidato do partido em 2008 a prefeito do Recife.

PS2: Leia mais sobre as obras da PCR aqui.