Por Nelly Carvalho, na página de Opinião do JC O artigo de hoje deveria referir-se a questões da língua portuguesa, mas seria cometer o pecado da omissão não falar do sentimento que predomina, no momento.

Assim, houve a renúncia a um assunto lingüístico-cultural, substituído por um desabafo.

Não se trata de abordar os acontecimentos de 12 de setembro, em Brasília, quando o Senado deu as costas para o País.

Também foram derrubadas simbolicamente as torres gêmeas.

O panorama nacional na atualidade leva ao desalento. É desanimadora a hora que se vive.

Dá vontade de recolher-se na carapaça, como um caracol, e calar.

Não é de hoje que os descalabros acontecem, não são frutos apenas de administrações atuais, pois resultam do desinteresse, do descaso e da omissão em relação à coisa pública, acumulados há décadas.

O tripé educação-saúde-segurança, sobre o qual deve assentar-se a vida social, desmorona-se diante dos nossos olhos, pois nunca foi objeto de verdadeiro interesse administrativo.

Segurança é utopia e ironia.

Os telejornais tornaram-se uma espécie de coluna policial, estampando crimes de todos os níveis: assassinatos na periferia e corrupção nas altas esferas.

A saúde pública é um escárnio.

Enquanto são mostradas na TV cenas do colapso do sistema, com falta de atendimento aos que sofrem e mortes por omissão de socorro, vemos os donos do cofre discutindo as verbas destinadas a minorar a crise em meio a farturas de jantar de luxo.

Educação, nem se fala, segue ladeira abaixo nos próprios índices oficiais.

Ler, escrever e contar parecem habilidades quase inalcançáveis.

Faltam professores e salários decentes, sobram alunos despreparados, que são promovidos automaticamente, sem nada saber. É claro que nada disso é produto apenas do instante atual. É herança vinda desde o tempo das capitanias hereditárias, acumulada pelo descaso em relação aos problemas do povo em geral e pela concentração de privilégios nas mãos dos que mandam.

Bem antigas, pois, essas carências só fazem aumentar como bola de neve.

O que há de novo é apenas a propaganda oficial em outdoors e TV, onde as imagens mostram um mundo de ficção que não corresponde ao que se vê: autoridades agredidas por bandidos e a população inteira paralisada de medo.

Cidades inchadas, empobrecidas, com jovens desocupados a vagar pelas ruas são indícios de que não se soube orientá-los nem proporcionar educação de qualidade: apenas um faz-de-conta, sem direito a repetir e aprender, visando aumentar a mostra quantitativa de crianças na escola, sem que haja qualidade.

Contrapondo-se à demagogia sobre o tema, o governador Eduardo Campos declarou: “O fato de eleger um gestor não garante democracia na escola.

A escola será democrática se ensinar, de forma decente, os filhos dos trabalhadores e dos pobres.

Esses dogmas que a esquerda desenvolveu, do tipo ‘a escola será democrática se a gente eleger o gestor por eleição direta’ não são garantia de qualidade no ensino.” O ensino público tem sido levado ao ridículo com a divulgação dos resultados do Enem.

Nunca tantos escreveram e pensaram tão mal em tão curto espaço de papel.

A divulgação dos erros de redação funciona como um atestado de óbito do processo educativo.

A mídia faz o seu papel e nos ajuda a ter uma visão panorâmica, sobretudo com relação à violência.

Em recente entrevista, ouviu-se de uma representante oficial que a imprensa em geral espetacularizava os crimes, transformados em produto de noticiário, para atrair o grande público.

Mas é bom lembrar que se o produto existe, é pela abundância de matéria prima, a enorme quantidade de atos criminosos que atinge indiscriminadamente todas as áreas Se atitudes como a do STF escrevem uma página de coragem, grandeza e credibilidade, outras, como a decisão do Senado, apagam essas palavras do vocabulário do brasileiro e sufocam a esperança no seu nascedouro.

PS: Nelly Carvalho é professora da Pós-Graduação em Letras da UFPE e conselheira do CEE/PE.

PS2: O artigo da ilustre professora ajuda a entender o ódio de alguns com a imprensa livre.

Não gostam que se diga que o rei está nu.

Mas está.