O escravo das “qualis” Publicado pelo JC em 23.09.2006 Por Fernando Rodrigues BRASÍLIA – Com um teleprompter à sua frente, Lula discursou: “Eu sou o maior interessado em apurar o que aconteceu nesse negócio do dossiê.

Eu quero saber de onde veio o dinheiro, sim.

Eu quero saber toda a tramóia que houve.

Mas sobretudo eu quero saber que diabo de conteúdo que há nesse dossiê que pessoas cometeram a enroscada que cometeram”.

O presidente foi adestrado para repetir em público o que os seus eleitores fiéis têm falado nas chamadas “qualis”, as pesquisas qualitativas – quando um grupo de eleitores fica numa sala discutindo enquanto especialistas atrás de um espelho falso observam tudo.

As “qualis” mostram que os eleitores das classes C, D e E não entendem direito o caso do “dossiegate”.

Muitos nomes.

Gedimar, Valdebran, Freud e até um homônimo de marca de chuveiro.

Os eleitores lulistas perguntam sempre “que dossiê era esse” e acham que o governo “não pode jogar para debaixo do tapete”. É o que Lula repete agora toda vez que aparece em público.

Ao se tornar um escravo das pesquisas qualitativas, Lula tomou um rumo claro nesta reta final.

Antes do “dossiegate”, o petista sonhava em ter a maior votação da história num primeiro turno – o recorde é de Eurico Gaspar Dutra, que, no longínquo 1945, foi eleito com 55% dos votos válidos.

Abalroado pela crise atual, Lula está agora apenas preocupado em manter os seus eleitores mais fiéis.

Retroalimenta esse grupo com os argumentos que eles gostam de ouvir.

Quer dessa forma tentar estancar uma eventual sangria de votos quando o caso avançar com a divulgação da origem do dinheiro sujo usado na operação. É impossível prever se Lula terá êxito.

Mas até ele já parece saber que sua vitória, se vier, pode ser menor do que a esperada.

Fernando Rodrigues é jornalista da Folha de S.Paulo.