Por Sérgio Montenegro Filho Da editoria de Política do JC Ninguém espere de Renan Calheiros (PMDB-AL) que renuncie à presidência do Senado.
Ele não só garante que vai se manter no cargo como volta a atacar seus “detratores” com disposição, inclusive sinalizando que, ao final de todos os processos aos quais responde, poderá levá-los à Justiça.
Nesta entrevista ao JC, o peemedebista lamenta a exposição da sua vida pessoal na mídia e reafirma ser inocente de todas as acusações.
JC – É verdade que o presidente Lula lhe impôs um prazo para que mostre força no Senado, inclusive garantindo a aprovação da emenda que prorroga a CPMF, ou então deixe o cargo?
RENAN CALHEIROS – É injusto com o presidente Lula imaginar que ele pudesse ter tal atitude.
Mais que uma excelente relação pessoal, mantemos uma relação institucional, baseada no mais completo respeito.
Somos chefes de dois Poderes da República e fazemos questão de prezar a autonomia, o equilíbrio e a independência entre tais Poderes.
Respeito o presidente Lula assim como ele me respeita.
Várias “teses” de setores da imprensa foram desmentidas ao longo desse processo político que enfrentei.
Esta é apenas mais uma delas.
JC – Qual foi o tom do presidente na reunião da última quarta-feira?
Ele continua lhe oferecendo suporte político, como antes da crise, ou se mostrou, de alguma forma, reticente?
RENAN – O presidente Lula é um democrata.
Tem exercido os princípios democráticos no dia-a-dia de seu governo.
E sabe, como ninguém, respeitar as liturgias dos cargos e a Constituição.
Contei com o apoio e a solidariedade do presidente Lula desde o início desse processo.
Ele nunca se deixou contaminar pela campanha leviana movida contra mim e sempre assegurou que eu deveria ter completo direito de defesa.
Este é um assunto do Parlamento, que continua representando bem a sociedade e continuará respondendo aos seus anseios.
JC – Depois da divisão de forças que essa polêmica provocou no Senado, como o senhor pretende reconstruir suas articulações políticas, a fim de garantir um restante tranqüilo do mandato como presidente?
Há senadores dizendo que o senhor sai politicamente enfraquecido do processo…
RENAN – Saio, pelo contrário, ainda mais fortalecido desse processo.
Aprendi e sofri com ele.
Mas, como bom nordestino, tenho o couro curtido pelas dificuldades da vida e esta foi apenas mais uma de suas etapas.
Nenhum presidente de um Poder passou pelo que passei, abriu sua vida pessoal, confessou pecados privados publicamente, se resignou diante das exigências da democracia.
Quarenta e seis senadores foram contra a minha condenação, ou seja, depois de quase quatro meses de intrigas e mentiras, quatro meses de um verdadeiro massacre, não tive apenas cinco dos 51 votos que conquistei na minha reeleição para a presidência.
E os senadores, mesmo os que não votaram pela minha absolvição, sabem bem que continuarei conduzindo a Casa com a postura de sempre: diálogo, equilíbrio, transparência.
O entendimento voltará a dar o tom dos trabalhos. É preciso, apenas, deixar as feridas abertas neste calvário fecharem.
JC – Depois da polêmica e do placar da votação, como o senhor vê a imagem do Senado diante da opinião pública?
RENAN – Todo Parlamento no mundo enfrenta dificuldades.
Uma pesquisa recente da agência internacional de notícias Reuters mostrou que apenas 11% do público norte-americano apóia seu Senado.
Com certeza, apesar de todo este processo, nosso Senado tem melhores índices de aceitação.
Agora, é ilusão achar que a grande imprensa é a única representante a opinião pública.
Nos outros países, se enfrenta problema semelhante, uma disputa entre quem é o melhor porta-voz da sociedade: os parlamentos ou a mídia. É porque a imprensa evoluiu muito e ocupou espaços, com as novas tecnologias e liberdades experimentadas, o que antes não acontecia.
Sabemos todos que, muitas vezes, setores da imprensa manipulam e atropelam a opinião pública.
Algumas vezes, se esquece o compromisso com a verdade. É como querer que os fatos se dobrem à versão obtida.
Não duvido que há desgaste da imagem do Senado e da Câmara.
Mas não acredito que alguém, em sã consciência, queira abrir mão das liberdades democráticas que lutamos tanto para alcançar.
A solidez de nossas instituições é uma conquista inquestionável.
E não há melhor caminho para a representação popular que o Parlamento.
JC – Por várias vezes o senhor criticou a imprensa, a quem acusou de estimular a crise e as denúncias contra o senhor.
Como pretende se relacionar com os veículos de comunicação?
RENAN – Meu relacionamento com a imprensa não foi nem será afetado pela irresponsabilidade de uns poucos veículos de comunicação.
Sempre fui ferrenho defensor da liberdade de imprensa, sem ela, não existe democracia.
A falta de ética, a acusação precipitada e sem provas, no entanto, estão longe de significar liberdade de imprensa.
O que não posso aceitar e continuarei não aceitando é esse falso jornalismo, essa leniência com o factóide, essa confusão entre cobertura jornalística e campanha política.
JC – O que espera dos próximos processos abertos contra o senhor?
RENAN – Tenho certeza que eles terão o mesmo destino do processo anterior.
Ou seja, uma a uma, todas as calúnias levantadas contra mim serão demolidas.
Num julgamento isento e responsável, é a verdade que prevalece, não os interesses políticos de uns e outros.
JC – Teme que eles cheguem ao Plenário e que, por força das pressões populares, venham a gerar um resultado diferente do que aconteceu há pouco?
RENAN – Se chegarem ao Plenário, os senadores saberão manter a mesma postura isenta e equilibrada, não se dobrando a pressões ilegítimas de quem se arvora o direito de destruir os que não lhes são convenientes.
Não é aconselhável promover linchamentos.
Isto é um risco para a democracia. É preciso respeitar seus princípios, entre eles o de não pré-julgar, garantir amplo direito de defesa e respeitar as normas regimentais e constitucionais.
Inquisição e guilhotina não estão mais na moda…
JC – O que lhe deu forças para permanecer no cargo, sob a enxurrada de críticas dos senadores?
RENAN – A inocência é uma força muito poderosa.
A crença de que a verdade prevalece também.
Deixar a presidência seria compactuar com as mentiras levantadas contra mim.
E eu jamais abriria mão do direito de defender minha honra, de derrubar cada intriga.
Repito o que disse várias vezes em plenário: posso ser vítima dos excessos da democracia, mas jamais me afastarei dela.
JC – Como o senhor se relaciona, hoje, com peemedebistas como os senadores Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon, duros críticos da sua permanência na presidência?
RENAN – Não guardo mágoas de quem quer que seja, do ponto de vista pessoal ou político.
Cabe à História, cabe ao povo julgar, a cada eleição, a coerência e a postura de seus representantes.
Pedro Simon é uma das referências do Parlamento, um companheiro de partido combativo.
Já o senador Jarbas talvez tenha sido traído pela oposição, que lhe prometeu a presidência do Senado.
Mas, como disse o grande Garrincha depois de um treino sobre uma jogada ensaiada: “…e vocês combinaram com o outro time?”, ou seja, esqueceu de combinar com a vontade da maioria, que me elegeu, me reelegeu e me absolveu.
JC – Após ter sua vida revirada pelas investigações, como o senhor pretende se conduzir a partir de agora?
Pensa em ação judicial, por exemplo, contra os que promoveram o processo?
RENAN – No momento, minha prioridade é continuar provando a minha inocência e retomar o ritmo normal do Senado.
Os interesses do País devem estar acima de divergências ideológicas ou picuinhas partidárias.
Caberá ao futuro e, se for o caso, à Justiça, no tempo certo, julgar e analisar cada um pelas calúnias e injúrias levantadas contra mim.
JC – Em recentes declarações, o senhor afirmou que o País acredita na sua inocência.
Como vê, então, essas manifestações de grupos que vêm pedindo sua renúncia e recriminando o Senado por tê-lo absolvido?
RENAN – Quais manifestações da sociedade?
Meus detratores bem que se esforçaram para mobilizar a “força das ruas”, mas nunca conseguiram reunir mais do que um punhado de manifestantes.
Tenho recebido milhares de mensagens, cartas, e-mails e telefonemas de apoio, de encorajamento para manter a luta contra as inverdades.
Agora, a divergência de idéias faz parte do jogo democrático.
Aí reside a beleza e solidez da democracia.
JC – E quanto ao envolvimento do seu irmão Olavo Calheiros, de primos e até do seu filho Renan, prefeito de Murici, nas investigações?
Teme que eles venham a responder pelas denúncias?
RENAN – Absolutamente nada do que foi apresentado contra eles foi provado até agora.
Infelizmente, todos foram sugados para dentro deste furacão de denúncias irresponsáveis levantadas por adversários regionais rancorosas com as derrotas que sofreram nas urnas.
Não cabe a mim apresentar a defesa de quem quer que seja, embora tenha plena confiança na postura ética e na seriedade deles.
Só lamento que tenham sido envolvidos por pura motivação política, pelo simples fato de serem próximos ao presidente do Senado.
JC – A crise terminou envolvendo não somente a sua imagem pública, mas questões muito particulares.
Como está sua vida pessoal agora, após a absolvição no plenário?
RENAN – Foi o apoio e o carinho de minha família e de meus amigos que me sustentaram, ao longo desses quatro meses de agonia.
Lamento, profundamente, nesse período, ter perdido tantos momentos de convivência com pessoas que me são tão queridas.
Mas é reconfortante saber que nunca me faltarão a solidariedade e a amizade dos que me são mais próximos.
JC – O senhor foi acusado de ter ligações irregulares com lobistas.
Por que não colocar em votação o projeto que regulamenta esse tipo de atividade no Congresso Nacional, que está engavetado há vários anos?
RENAN – Se amizade significa ligação irregular, perdemos toda e qualquer noção de julgamento.
E se trabalhar numa empreiteira significa ser lobista, então é bom, realmente, que deixemos bem claro o que é e o que não é ser lobista e quais os limites da atuação de um lobista.
A sociedade, realmente, sairá ganhando com essa discussão.
Este é um dos itens da pauta do Parlamento que deve ser enfrentado na hora certa e com um debate amplo e transparente.
JC – Alguns senadores de oposição comemoraram a crise, argumentando que teria enfraquecido a base governista no Senado.
O senhor avalia que o Planalto sofreu prejuízo político - e numérico - com a crise da qual é personagem?
RENAN – Não cabe a mim avaliar a força da bancada governista no Senado.
Como presidente da Casa, tenho a obrigação de agir com isenção, ouvindo governo e oposição, dando voz à maioria e à minoria.
JC – Como melhorar a imagem de um Parlamento que tem enfrentado sucessivas crises e escândalos ao longo dos anos?
RENAN – O que apodreceu foi o nosso sistema político e eleitoral.
Um sistema falido, ultrapassado, que dá margem ao caixa dois, que abre as portas para a corrupção.
O que temos de fazer, com certeza, e com a maior urgência possível, é superar divergências partidárias e aprovar uma reforma política profunda.
JC – Há alguns anos, o senador Tião Viana (PT-AC) propôs a extinção do Conselho de Ética da Casa.
Como o senhor vê a atuação do colegiado?
RENAN – O Conselho de Ética é um colegiado da Casa sério e competente.
Seus integrantes são pessoas respeitadas e de credibilidade.
O aperfeiçoamento institucional é uma prática do dia-a-dia.
Se o Conselho ainda não tem regras claras, é preciso aprová-las.
Se ele tem sua lógica de funcionamento, é preciso respeitá-la.
Se, algum dia, os senadores entenderem que ele deve deixar de existir, que a maioria decida.
O que não se pode fazer é atropelar as regras, o regimento interno do Senado, a Constituição.
E aceitar os resultados das votações.
Na democracia é assim, a minoria pode se expressar, tem direitos, mas a a vontade da maioria tem de prevalecer, os resultados tem de ser acatados.
Qualquer outra coisa, não é dentro da democracia.