Editorial da Folha de São Paulo de hoje Realismo e disparate NINGUÉM governa sem a CPMF, afirmou o presidente Lula em discurso de improviso nesta quarta-feira, e lamentavelmente há uma dose de verdade no que ele diz.
Com efeito, seria hoje inviável para a administração federal renunciar às receitas da CPMF.
Isto não ocorre, entretanto, por acaso -e a necessidade de manter uma alíquota elevada nesse tributo não se inscreve na ordem natural das coisas.
Como costuma acontecer na política brasileira, toma-se a admissão de um fato consumado como se fosse um sinal de maturidade e sensatez.
Não é de agora que o comodismo e a ausência de propostas surgem nos discursos oficiais como sinal de seriedade administrativa e de invulgar vocação para enfrentar as amargas realidades da vida pública.] As antigas formulações em torno da “ética da responsabilidade”, que nos tempos de Fernando Henrique Cardoso tantas vezes serviram para justificar a fisiologia política e o populismo cambial, poderiam perfeitamente ser invocadas pelas atuais forças governistas.
Para aprovar a CPMF, promove-se o loteamento emergencial de cargos na máquina pública, acompanhado das homenagens devidas aos aliados de todas as horas: desnecessário dizer que entre estes avulta, reerguido das trevas de uma absolvição feita em sigilo, a figura do senador Renan Calheiros.
Ninguém governa sem a CPMF, com efeito.
Uma vez que não se cogita de racionalizar a máquina administrativa, de diminuir os gastos com funcionalismo, de mudar as regras da Previdência, ou de empreender uma reforma tributária profunda no país, prorrogar o prazo de uma contribuição sobre o cheque se torna prioridade incontornável para a sobrevivência do Estado.
Numa palavra, não se governa sem a CPMF porque nem na situação, nem na oposição, há lideranças dispostas a governar de outro modo, e a propor modificações reais numa estrutura tributária injusta, opressiva, arcaica e exasperadoramente complexa.
A CPMF possui características positivas: é capaz de incidir sobre a economia informal e funciona como um mecanismo auxiliar de controle à sonegação.
Bem diferente, contudo, é manter uma alíquota de 0,38% sobre movimentações financeiras, num país marcado simultaneamente pela altíssima carga tributária, pelo desperdício, pelo empreguismo e pela corrupção.
Não faltam sinais, sem dúvida, de que em última análise é tudo isto o que se pretende manter.
Seja como for, uma diminuição na alíquota da CPMF, para nada dizer de iniciativas mais amplas de reforma do Estado e do sistema tributário, não constitui ponto urgente nas negociações.
Afinal, segundo o ministro Guido Mantega a CPMF não incomoda tanto: “Se perguntarmos ao cidadão comum, ele nem sabe o quanto paga desse imposto”.
Talvez não saiba.
Sabe cada vez mais, contudo, o quanto as autoridades brasileiras são capazes de comprazer-se na arrogância, no disparate e no cinismo.
Não governam sem isso, aliás.