Por Ivo Pedrosa A reforma tributária empreendida pela Constituição de 1988 não foi objeto de aperfeiçoamento, como previsto nela mesma para até 5 anos depois de sua promulgação.
Durante todo esse tempo as discussões evidenciaram uma inércia absurda no sentido de mudar aspectos essenciais do Sistema Tributário Nacional.
Nesse processo de dificuldade de melhorias nos tributos brasileiros, a própria CPMF foi criada (como Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira – IPMF, em 1994).
Há um consenso de que tecnicamente a CPMF contém um defeito de concepção, pois se incorpora ao custo dos produtos exportados e dos investimentos (sobre os quais a tributação deveria ser zero ou a mínima possível).
Isto ocorre pelo fato de ela ser cumulativa, pois a forma de cobrança não permite a sua devolução no momento da exportação ou do investimento, porque não é possível saber o valor pago.
Essa característica de tributo em cascata é arcaica e não está presente no “imposto sobre o valor agregado”, a exemplo do ICMS (com defeitos, ainda).
A tributação de mercadorias e serviços vem sendo feita, por essa técnica de tributar o valor agregado, em quase 150 países (Value Add Tax, Taxe sur la Valeur Ajoutée, Mehrvertsteuer, etc.).
Apesar disso, ao longo dos anos 90, pôde ser verificado que todas as propostas, razoalmente compreensivas no debate após a Constituição, previram um tributo do tipo CPMF.
Tecnicamente, a justificativa está na sua capacidade de contribuir para o combate à sonegação, uma praga que exige instrumentos eficazes e abrangentes: quem quer que movimente recursos no sistema bancário, por mais informal que seja, é alcançado por essa contribuição e está sujeito à comparação entre o que movimenta e o que declara nos demais tributos do tipo declaratórios, em que se sabe o que o contribuinte diz que ocorreu e não o que de fato ocorreu. É necessário, contudo, que o percentual de cobrança seja pequeno, para o defeito da cumulatividade (incidênca em cascata) ter seus efeitos minimizados.
A alíquota atual (0,38%) poderia ser um pouco menor (0,2%, por exemplo), mas já é pequena o suficiente para reduzir os efeitos cumulativos apontados.
Quanto à questão da destinação para a saúde (sua justificativa original), em primeiro lugar, devemos nos lembrar do ditado “dinheiro não tem cor”.
De nada adianta criar um tributo com destinação específica e reduzir os valores que antes eram destinados àquele setor, a partir de tributos sem destinação específica, como o Imposto de Renda e o IPI.
O que importa é saber: do total de recursos disponíveis, quanto vai para a saúde?
Quanto vai para a educação?
Em quanto estamos aumentando a cada ano o total de recursos para esses setores considerados prioritários pela sociedade? É fundamental que se reflita sobre a seguinte síntese das despesas realizadas pela União, em 2006, em bilhões de reais.
Total: 1.189, dos quais, 645 bilhões foram gastos com amortização, juros e encargos da dívida.
As despesas de setores tidos como prioritários pela sociedade, em bilhões de reais, foram: previdência social: 202, saúde: 40, assistência social: 21, e educação: 18.
A arrecadação da CPMF, em 2006, foi R$ 32 bilhões, ou seja, 80% dos recursos destinados pela União à saúde e quase o dobro do valor destinado à educação.
O que ocorrerá se a CPMF for extinta de uma vez, sem alterações inadiáveis em impostos sobre a renda e a propriedade, num país desigual como o nosso?
Alterações como: fazer com que o crescente número de milionários brasileiros pague uma alíquota máxima de imposto de renda semelhante à dos milionários do Primeiro Mundo (entre 40 e 50% de suas faixas mais elevadas de renda).
Atualmente eles só pagam o que paga um professor universitário, concursado, com 40 horas de regime de trabalho: 27,5%!
Os dados levantam a seguinte pergunta: dá para extinguir um tributo que gerará R$ 35 ou 40 bilhões antes de conseguir fazer as alterações mínimas no Sistema Tributário, que o Congresso Nacional engavetou desde 2003, sem falar nas propostas dos anos anteriores, todas paradas no Congresso?
PS: Ivo Pedrosa é professor titular de economia e coordenador do Mestrado em Gestão do Desenvolvimento Local Sustentável da Universidade de Pernambuco (UPE).