Por Raul Jungmann Senhor Presidente, senhoras e senhores deputados: Enquanto, no dia a dia, vemos a política agonizar “conradianamente”- não com uma explosão, mas com um longo e interminável suspiro - vem da casa ao lado, o Supremo Tribunal Federal, uma luz, a nos dizer, como nas proféticas palavras de D.Helder, que “quanto mais escura é a noite, mais carrega em si a madrugada”.
Pois o Supremo, de maneira transparente, consistente e altiva, nos fez ver que temos, sim, instituições, ao colocar um limite a impunidade, ao desapreço a justiça e a desídia com que vem se comportando, por exemplo, este Congresso Nacional, no que toca ao julgamento dos seus pares.
Esse, digamos, alumbramento que nos proporcionou o STF, durou pouco, já que coube ao próprio Presidente trazer-nos de volta à realidade, ao declarar, em conferencia do Partido dos Trabalhadores encerrada anteontem, que muito pelo contrário, nada se passou e todos os indiciados merecem louvor e defesa, sem tibiezas ou vergonha.
Sem dúvida, o Presidente se julga forte e o suficiente para proferir tal temeridade, indo chocar-se com destemor, contra a onda de esperança que tomou conta da opinião pública desse pais, e que levou aquele histórico julgamento a se tornar patrimônio dos brasileiros conscientes.
No nosso entender, essa “blindagem” presidencial advém de três fatores .
Em primeiro lugar, a expansão global do capitalismo - a maior desde o último pós guerra - à qual nos associamos – ainda que mal e precariamente - sendo o nosso crescimento apenas superior ao do Haiti, que como sabemos encontra-se em guerra civil.
Em segundo, a imensa pletora de bolsas ou programas focados de transferência de renda, cujo carro-chefe é o bolsa família, o qual atende hoje a um em cada quatro brasileiros.
Por último, a herança bendita que lhe foi deixada pelo governo Fernando Henrique, e que ele e o seu partido tanto execraram, portadora, dentre outras, da estabilidade da moeda, do fim da inflação, e da reforma do Estado.
Esta situação tem ensejado graves distorções e prejuízos, por hora não de todo percebidos, duas delas em especial.
Primeiramente, os programas de transferência de renda - que poderiam ser chamados de “bolsas anestesia”, já que, se aliviam a dor da miséria e da fome – e por isso merecem todo nosso apoio - , jamais levam à plena cidadania, dado que inexistem “portas de saída” para o sistema, perpetuando a dependência dos que nele ingressam.
Assim, os que lá estão - sem empregos, educação, saúde ou previdência - lá ´permanecerão, a meio caminho entre a dependência do assistencialismo e uma cidadania precária.
Complementarmente, nesse clima de um conforto relativo derivado da expansão econômica, aliada aos programas assistenciais de massas, empurra-se com a barriga a necessidade de reformas: previdenciária, trabalhista, tributária, educacional e federativa.
Porém, não fazer ou não levar adiante as reformas, atende também ao caráter desse governo.
Um governo “catch all”, “pega tudo”, como se dizia do velho MDB, aonde não existem “loozers” ou perdedores.
Afinal, fazem parte dele o MST e o agronegócio; os banqueiros (felicíssimos da vida!) e a CUT (juntamente com a Força Sindical, de cofres cheios); a esquerda “revolucionária” e a mais fisiológica e conservadora direita; os católicos e pentecostais; a elite ( a real, não a simbólica para fins de espancamento ritual) e os recém-incluídos ou em processo de.
Enfim, nada mais nada menos que uma “arca getulista”, segundo a brilhante formulação do sociólogo Nelson Werneck Viana, de que vivemos sob o “Estado novo do PT”.
Partido que, é bom lembrar, nasceu sob a égide de negar a herança do “Pai dos Pobres”!
Pois bem, nesse “Estado Novo do PT”, todos os contrários, após vencida a etapa dos inumeráveis conselhos coroporativos, todos os conflitos, acabam dirimidos pelo Presidente-demiurgo.
Sem ele, sem esse personagem que subsume em si o próprio governo e harmoniza os contrários, o sistema todo entra em colapso, torna-se disfuncional.
Donde chegamos ao dilema futuro, impasse presente: sendo o presidente insubstituível e sua sucessão por ele mesmo impossível, pelas regras atuais, a tentação do terceiro mandato é crescente e um imperativo desse “Estado novo” petista de que vimos falando.
Aliás, outro não nos parece ser o sujeito oculto da proposta de uma constituinte exclusiva que ora propõe o PT.
E, se alguma dúvida restar, é só olharmos à volta, para a América Latina, onde brotam exemplos de “democraduras”.
Regimes que, se nascem democráticos - a exemplo da Venezuela, Bolívia, Equador e, talvez em breve, Paraguai - lançam mão de instrumentos poderosos, a exemplo de assembléias constituintes e introduzem a reeleição sem limites, golpeando a alternância do poder, fundamento do jogo democrático.
Acresce a isto, não ter hoje o Partido dos Trabalhadores as credenciais necessárias para colocar tal tema em debate, de uma constituinte política exclusiva, pelas sucessivas tentativas de impor restrições à liberdade de expressão, alem de ser o principal interessado em um provável terceiro mandato do presidente Lula.
Sobretudo quando, dentre seus quadros, nenhum apresenta condições ou competitividade reconhecidas para a disputa do pleito de 2010.
Importa ressaltar que o PT não está só diante das tentações, cujo exemplo nos é dado pelas denominadas “democraduras”.
Boa parte da esquerda se deixa seduzir pela idéia de que, se alcançada pela via popular, toda alteração das regras é bem vinda ou benigna.
Esquecem que tais mudanças um dia voltar-se-ão contra ela mesma, sem que possam futuramente dispor de capital algum, moral ou político, para contestá-las.
As regras do jogo democrático, sobretudo seu núcleo normativo – sufrágio universal, eleições livres, alternância no poder, decisão majoritária e respeito a minoria – devem permanecer indisponíveis e não suscetíveis de modificação por parte da esquerda e direita que se reinvindicam democráticas.
Até porque, tempos difíceis se avizinham do nosso subcontinente, as voltas com turbulências, que esperamos ver resolvidas dentro dos limites do estado democrático de direito.
Mas também, como destacou Keeneth Maxwell em artigo recente na Folha de São Paulo, já hoje numa disfarçada, ainda que visível, corrida armamentista e - o que nos preocupa sobremaneira - nuclear.
Neste cenário, que papel vem desempenhando às oposições?
Uma parte delas, notadamente o PSDB, enreda-se no dilema entre o projeto partidário e o poder.
E, ao menos até aqui, o primeiro tem sucumbido aos ditames do segundo, tornando as decisões desse grande partido ininteligívies para parte dos seus milhões de eleitores que o puseram na oposição no último pleito.
Desse mal inequivocamente não padece o DEM, rigidamente postado no campo oposicionista.
Sem, entretanto, ser capaz de se contrapor positivamente, sob a forma de um projeto socialmente atraente, ao atual governo e sua base aliada.
Já o meu PPS, debilitado pela compra e venda de mandatos que assola este Congresso nacional e em particular essa Câmara dos Deputados, em escala jamais vista ou sequer imaginada, segue firme fiscalizando os desmandos, a corrupção e o “Estado Novo” a que se converteu o atual governo.
Carece porém, desde já, de definir uma ampla e abrangente proposta política, social e econômica que expresse, com clareza, seu perfil e identidade.
Carece ainda, com urgência, de elevar o olhar para além do pleito municipal que se avizinha, iniciando a construção de um projeto presidencial próprio, para o qual os nomes de Roberto Freire, nosso presidente nacional, ou o de Denise Frossard, devem ser levados a opinião pública e aos eleitores de todos os recantos do nosso pais, ainda este ano e sem demora.
Diante do rolo compressor da base aliada, montada as custas de favores, emendas e cargos e tendo em mãos a letal arma de imposição da vontade governamental - as medidas provisórias -, as oposições necessitam urgentemente definir um programa de ação comum, fortalecer a sua articulação e coordenação, em especial diante da batalha pela CPMF que se aproxima e, mais adiante, da DRU.
Não com o intuito de quebrar o governo, o que seria irresponsável, mas dele arrancar mudanças que beneficiem estados e municípios, ora vergados pelo peso simultâneo das dívidas social e financeira.
Concluindo, Senhor Presidente, o reiterado fracasso de uma reforma política e a necessidade inadiável da mesma reforma política, nos colocam diante de uma conclusão e de um desafio.
Não há como não concluir pela impossibilidade de auto-reforma do parlamento - já não restam dúvidas.
Infelizmente, os favorecidos pelo atual, e em franco processo de decomposição, sistema político, são aqui maioria.
E assim permanecerão, penso, em futuras legislaturas, mantidas as atuais regras.
Resta portanto o risco da mudança de fora para dentro, o que nos parece, a esta altura, inevitável.
E que, se institucionalmente previsível, dar-se-á através de plebiscito ou referendo.
Senhor Presidente, senhoras e senhores deputados, se assim o é, se só assim virão as necessárias reformas, que o seja o quanto antes, pois temos a representação política, e nós políticos, no fundo do poço do respeito popular.
Senhor Presidente, despeço-me com uma última consideração, a guisa de fecho: os bons tempos, os bons ventos mundiais não são eternos.
Eterna também não é capacidade do povo de, pacientemente, suportar tantos agravos, desrespeito, impunidade.
Como no passado é preciso afirmar que mudar, é já, e preciso!