Da Veja O senador Renan Calheiros é um político desesperado que faz coisas desesperadas.

Acuado pelas revelações de VEJA sobre suas condutas impróprias, que devem tirá-lo da presidência do Senado, partiu para a vendeta ao melhor estilo mafioso.

Renan e seus sequazes patrocinam a abertura de uma CPI na Câmara dos Deputados para “investigar” a associação entre a TVA, empresa de televisão por assinatura do Grupo Abril, que edita VEJA, e o Grupo Telefônica, de origem espanhola.

A alegação é absurda.

O negócio, aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) depois de minuciosa análise, não fere a lei e é igual a outros fechados recentemente no país.

Para tentar forçar a abertura da CPI, Renan arregimentou uma tropa de choque especializada em surrar a ética.

Abrilhantam-na Jader Barbalho e Orestes Quércia, que dispensam apresentações, os mensaleiros José Genoíno, João Paulo Cunha, Paulo Rocha e Valdemar Costa Neto e os sanguessugas Wellington Fagundes e Wellington Roberto.

Todos eles denunciados por VEJA em algum momento de suas tristes biografias.

Ao todo, Renan e sua turma recolheram 181 assinaturas.

Entre os deputados que firmaram o requerimento, além dos mal-intencionados, há ingênuos e enganados.

Cinqüenta e nove parlamentares do PT apuseram seu jamegão.

Boa parte desses petistas obedeceu às ordens de José Dirceu.

Além da vingança contra VEJA, que noticiou os seus malfeitos como chefe da quadrilha do mensalão, o ex-ministro Dirceu tem interesses bem mais sólidos para embaraçar a associação entre a Abril e a Telefônica.

Seu patrocinador atual é o bilionário mexicano Carlos Slim, o homem mais rico do mundo, que trava uma guerra comercial com o grupo espanhol.

A tentativa de criação da CPI da TVA, além de espúria na origem, tem a clara intenção de intimidar não apenas a Abril mas toda a imprensa independente do país.

Ela tem as cores da vendeta, as formas da chantagem e, se seguir adiante, será um desperdício de tempo e dinheiro públicos, ademais de aprofundar o fosso que separa a sociedade brasileira de seus políticos no distante planeta Brasília.

O plano de Renan e asseclas começou a ser articulado há um mês no gabinete do senador.

A intenção explícita – dita entre meias-palavras – era retaliar VEJA, pelo fato de a revista ter publicado as reportagens que resultaram nas investigações contra o senador.

Participaram da primeira reunião, além de Calheiros, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, o senador Valdir Raupp (RO), líder do PMDB, e o deputado Jader Barbalho, do PMDB do Pará.

Inicialmente, Renan pensava em defender a abertura da CPI no Senado.

Foi desaconselhado por Jader.

Ele considerou que não haveria apoio suficiente, pois a iniciativa configuraria claramente a tentativa de vingança de Renan.

Tentou-se uma chicana e Jader encarregou-se de fazer o serviço sujo na Câmara.

Jader desviou as atenções – sim, dessa vez foram só as atenções – ao entregar um requerimento para que o líder do PT, Luiz Sérgio (RJ), coletasse assinaturas.

Enquanto os opositores da CPI pressionavam Luiz Sérgio a desistir, Jader encarregou o deputado Wladimir Costa (PMDB-PA), que lhe presta fidelidade canina, a dar início à circulação de outro requerimento, então completamente clandestino.

Antes de entrar na política, Costa ganhava a vida como apresentador de programas populares de rádio e cantor de carimbó, ritmo popular paraense.

O governo, desde o começo, se opôs à CPI.

José Múcio Monteiro (PTB-PE), líder do governo, alertava para o fato de que a investigação poderia se voltar contra a Anatel, prejudicando o ambiente de negócios do país.

Sensibilizado pelo argumento, o líder do PMDB, Henrique Alves (RN), mandou uma carta a todos os parlamentares da sigla aconselhando-os a não assinar o requerimento nas mãos de Luiz Sérgio.

Deputados do PT, como Walter Pinheiro (BA), passaram a trabalhar para retirar assinaturas que já haviam sido dadas.

Enquanto isso, Wladimir Costa perpetrava o seu trabalho silencioso com o segundo requerimento.

Ao verem que o plano estava funcionando, Renan e Jader procuraram o apoio de deputados que também tinham interesse na vingança, por terem sido retratados em reportagens de VEJA cujo conteúdo lhes desagradou.

A maioria deles responde a processos.

Alguns são réus no inquérito do mensalão, que está sendo julgado pelo STF.

No PT, Jader conversou com João Paulo Cunha, Paulo Rocha e José Genoíno, presidente do PT na eclosão do escândalo do mensalão.

Na última semana, o trio petista se empenhou mais em angariar assinaturas do que em ajudar a construir suas defesas no Supremo.

A essa altura, o requerimento de Wladimir Costa já era de conhecimento de muitos parlamentares.

Mas faltava cooptar uma parte do PMDB.

Acompanhado de Olavo Calheiros, irmão de Renan, Jader recorreu a Anthony Garotinho, Orestes Quércia e Roberto Requião – outra trinca que não consegue conviver com uma imprensa independente.

Eles obtiveram 29 assinaturas de peemedebistas.

O PCdoB, partido pelo qual Renildo Calheiros, o irmão mais novo de Renan, é deputado, compareceu com os seus treze deputados.

Para superar o número de 171 assinaturas, mínimo necessário para que o pedido de uma CPI seja apresentado na Câmara, o vale-tudo ganhou impulso.

A palavra de ordem passou a ser “enganar”.

O deputado Eliseu Padilha foi um dos ludibriados.

Ele conta que estava no plenário, na quarta-feira passada, quando foi abordado pelo deputado Aníbal Gomes, do PMDB do Ceará e cupincha de Renan.

Padilha coletava assinaturas para a criação de uma Frente Parlamentar dos Terrenos da Marinha. “Se você assinar o meu, eu assino o seu”, propôs Gomes, com um papel na mão. “O que é o seu?”, questionou Padilha. “Um pedido de explicações para o Hélio Costa”, mentiu Gomes, referindo-se ao ministro das Comunicações.

Quando leu na sexta-feira que a CPI da TVA poderia ser instalada, Padilha consultou a secretaria-geral da Câmara e descobriu que seu nome estava entre os apoiadores.

Imediatamente, pediu a retirada. “Não sabia o que era.

Se soubesse, não teria assinado”, diz.

O partido Democratas vai questionar formalmente a mesa da Câmara dos Deputados.

O presidente do partido, deputado Rodrigo Maia (RJ), e o líder da bancada, Onyx Lorenzoni (RS), consideram o pedido de CPI uma “tentativa inaceitável de atingir a liberdade de imprensa em vigor no país”.

Segundo eles, a iniciativa tem um só objetivo: “Usar o poder institucional do Legislativo contra o direito de acesso à informação do povo brasileiro”.

Maia lembra: “Não há fato determinado.

O que há é um desserviço ao Brasil e à democracia”.

A utilização de uma CPI como instrumento de vingança pessoal é um desvirtuamento institucional e um insulto à democracia.

Personalidades da República ouvidas por VEJA mostram-se perplexas e indignadas com a malandragem de Renan e seus seguidores (veja galeria nestas páginas e nas anteriores).

O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, tem poderes para deter essa marcha da insensatez, e se o fizer estará prestando um serviço à imagem da instituição que preside.

O Grupo Abril reafirma sua crença no depurativo da imprensa e conclui que a CPI é “uma tentativa espúria de alguns poucos, dentro e fora do Parlamento, de manipular a Câmara dos Deputados de modo a atingir a Abril pelos fatos que VEJA tem revelado sobre o senador Renan Calheiros”.

PS: ainda hoje, estaremos dando mais dados sobre a polêmica CPI, para que os leitores possam entender a briga política que está por vir.