Por Gustavo Krause Eles estavam batendo um papo animado, levando um lero, tricotando.

Nada mais natural e prazeroso do que exercer a arte da conversa.

Ainda mais, quando descontraída, inteligente, em mesa de botequim, ora com tiradas de humor, ora com pitadas de maledicência que não livra nem a cara do próprio autor.

Só que “eles” não eram Dona Mariquinha, a fofoqueira do bairro, uma “candinha” que inspirou famosa canção de Roberto Carlos, nem Neco Barbeiro, dono da barbearia, lugar onde nascem e se difundem os boatos da comunidade. “Eles” são Excelências e que Excelências: Ministro e Ministra do Supremo Tribunal Federal, a Corte, a quem cabe emitir a última palavra do Poder Judiciário, ao fazer Justiça e harmonizar os conflitos sociais. “Eles” não estavam num botequim: estavam reunidos para iniciar o julgamento do mais rumoroso e espetacular escândalo da política brasileira.

Era uma sessão pública.

Transparente, como deve ser exercido o poder nas democracias, sem máscaras, submetido à publicidade, ao conhecimento e, por conseqüência, ao controle da cidadania. “Eles”, a Ministra Carmem Lúcia e o Ministro Ricardo Lewandowski, não conversavam abobrinhas.

Descontados o veneno dos serpentários que atiça a fogueira das vaidades, o bate-papo eletrônico, flagrado pela potências das lentes do fotógrafo de “O Globo”, autoriza a legitima suspeita de que havia votos minutados antecipadamente: “A sustentação do PGR impressiona […] Mas mudar à última hora é complicado[…] Eu, de qualquer maneira, vou ter de varar a noite”, disse o Ministro; “Acho que não dá mais para o que cogitei e lhe falei […] Mas a quadrilha vai ser fogo negar.

O Joaquim [Barbosa] e agora o PGR”, afirmou a ministra; “Posso, porém, minutar voto em sentido contrário”, sugere Davi, o assessor.

Da conversa entre “eles”, emana outra suspeita: a cobrança de pedágios explícitos a serem quitados junto ao Poder Executivo que os nomeia fato que, a bem da verdade, não é apanágio deste governo nem pode ser uma suspeita generalizada.

Com efeito, a história do Supremo está marcada pela presença de Magistrados que, pelo saber jurídico, coragem cívica e irretocável independência têm engrandecido a instituição.

Pena que, nesta trajetória, homens da maior dignidade convivam com “Tartufo(s)”, famoso personagem da comédia clássica de Molière, hoje, substantivo-símbolo universal da hipocrisia, da dissimulação e que deixou para seus seguidores a seguinte máxima: “Não há nenhum pecado se pecar em silêncio”.

O que fica do episódio, independente do resultado do julgamento, é uma grave constatação: o lulismo é um fenômeno ubíquo, onipresente, está em todo lugar e perigosamente infiltrado nas instituições republicanas.

Senão vejamos.

Depois de alegar um desconhecimento alvar da lama que o rodeava; depois de proclamar-se traído pelos aloprados, Lula jurou de pés juntos que a reforma política ia sair.

E o que fez sua base de apoio?

Aprovou, na Câmara, com sua conivência, o projeto que consagra a infidelidade partidária.

E viva o balcão que permite entregar em domicílio, moderno sistema de delivery, os mandatos parlamentares que pertencem ao povo!

Por onde andam os movimentos sociais?

Sob a anestesia das prebendas governamentais.

E grande parcela da intelectualidade?

Em silêncio obsequioso, ou docemente pendurada nos mimos das estatais concedidos aos projetos culturais.

E a imprensa?

Uma parte, investigativa, combativa, cumprindo seu papel democrático; outra parte, servindo à manipulação da comunicação política do governo.

Sem contar que vem aí, imaginem, uma “rede pública” de televisão.

A tudo isto, se junta o estado policial, ameaçador das garantias individuais que faz mais vítimas do que condenados; o estado aparelhado, de um lado rendendo ao PT gordos dízimos dos cargos comissionados, de outro, chafurdando na relação promíscua do público com o privado, sem prover segurança, saúde, educação, infra-estrutura e, ainda por cima, brincando com a vida de quem se aventura numa prosaica viagem de avião.

A exceção da classe média, todos têm sua bolsa: os ricos recebem a bolsa-juros (vê balanço dos bancos) e os pobres (1 em cada 4 brasileiros), o bolsa-família, de duvidosa eficiência social, mas de comprovada eficiência eleitoral, graças às consciências aprisionadas pela gratidão do estômago.

Por fim, os publicitários do respeitável Banco do Brasil inundam os meios de comunicação com a ingênua campanha 1+2=3, ou seja, uma subliminar mensagem em prol do terceiro mandato presidencial o que consagraria, definitivamente, o lulo-chavismo.

Bem que o anfitrião do jantar chique oferecido a Lula, Chico Buarque, poderia reescrever “Fado Tropical”, ainda que prejudicando a rima: “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal, ainda vai tornar-se uma imensa Venezuela”.