Da Época Um estudo divulgado no início deste mês pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) mostra que, desde 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF) não condenou criminalmente nenhuma autoridade brasileira.

A conclusão veio da análise das 130 ações que ingressaram no STF, entre 1998 e junho de 2007 (data de conclusão da pesquisa).

De todas elas, quase a metade, cerca de 40%, ainda estava em tramitação.

Outras 35% haviam sido enviadas para instâncias inferiores, 10% prescreveram, e, das que realmente foram julgadas, nenhuma resultou em condenação.

Desse total de ações, 34% eram contra a administração pública.

Os dados analisados pela AMB são do próprio STF e levam em conta ações indicadas como penais, que incluem crimes contra a honra, contra a administração pública e contra o patrimônio, além de crimes eleitoral, fiscal e ambiental, entre outros.

Para a AMB, o foro privilegiado – que garante que as mais altas autoridades brasileiras sejam julgadas apenas pelo STF – perdeu sua característica original, que era a de garantir a possibilidade de defesa, e passou a ser um privilégio.

Por isso, a entidade defende a extinção do benefício em todas as suas esferas.

Atualmente, têm direito a direito ao benefício autoridades como presidente e vice-presidente da República, deputados federais, senadores, ministros, procuradores da república, comandantes da exército, marinha e aeronáutica, governadores, desembargadores, promotores, prefeitos, entre outros.

Em entrevista a ÉPOCA, o presidente da AMB, Rodrigo Collaço, diz que é preciso acabar com o foro privilegiado no Brasil e que a sociedade não aceitará medidas que atrasem a resolução do caso Mensalão. ÉPOCA - O foro privilegiado dá às autoridades brasileiras uma sensação de impunidade?

Rodrigo Collaço – O estudo revela que essa questão vai muito além da “sensação”.

O quadro é de real impunidade.

No Brasil, há uma ausência de julgamento para esses casos, não existe nem condenação e nem absolvição.

Isso, seguramente, leva algumas pessoas a buscar cargos para se privilegiar da impunidade. ÉPOCA – Mas é o caso de abolir a existência do foro privilegiado?

Collaço – Acredito que essa seja a melhor solução.

Na maioria dos países do mundo não existe esse tipo de benefício ou, se existe, está restrito aos cargos como presidente da República e presidente do Congresso.

No Brasil, a questão está generalizada, excessiva.

E a melhor forma de acabar com isso é, de fato, acabar com o foro privilegiado de vez. ÉPOCA – De que maneira isso pode ser feito?

Como o Judiciário deve se organizar?

Collaço – Sabemos que não é uma questão fácil.

A AMB tem sugerido que o Supremo Tribunal Federal e os Superiores Tribunais de Justiça convoquem juízes de diversos Estados para agilizar o andamento desses processos.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, criou uma Câmara Criminal só para julgar prefeitos, e lá os resultados são melhores do que em outros Estados brasileiros, ou seja, as autoridades são julgadas. ÉPOCA – O Supremo Tribunal Federal está preparado para julgar um caso como o do Mensalão?

Collaço – O STF e os STJs não estão preparados para esse tipo de julgamento.

O Supremo é um Tribunal que julga inconstitucionalidades.

Ele terá de parar todo seu trabalho para funcionar como se fosse uma vara criminal: terá que ouvir testemunhas, acusados.

Não é uma falta de vontade do STF. É que realmente não é uma função dele. É preciso mudar a Constituição para que o Supremo possa delegar esse tipo de processo a juízes de outros Estados.

Não podemos ficar na dependência dos ministros. ÉPOCA – O que se pode esperar na decisão do Supremo no Mensalão?

Collaço – O julgamento que começa nesta quarta-feira é muito preliminar.

Será decidido somente se a denúncia contras os envolvidos será aceita ou não.

Esse processo criminal, se aceito, deverá demorar anos.

Mas, se a denúncia não for aceita, todos os envolvidos serão automaticamente absolvidos.

Acredito que o Supremo irá julgar bem.

Os ministros são competentes e irão decidir com justiça. ÉPOCA – O STF acaba de condenar o deputado federal Paulo Maluf por uma irregularidade ocorrida no início dos anos 70, durante seu governo no Estado de São Paulo.

O processo do Mensalão, se aceito, deve demorar o mesmo tempo para ser julgado?

Collaço – Acho que não chega a esse ponto.

O processo do Mensalão deve demorar 4 ou 5 anos. É preciso ouvir as testemunhas, os acusados, analisar as provas, etc. É um trabalho demorado.

Por outro lado, existe a pressão da sociedade para que isso se resolva logo.

Manobras protelatórias não serão bem aceitas pelas pessoas.

Esse é um processo importante para a sociedade e merece ser resolvido.