Por Carlos Alberto Fernandes No cadinho cultural do Brasil, a expressão familismo amoral se relaciona a obrigação que se tem de ajudar a alguém com quem se tem deveres pessoais, à família acima de tudo, mas também a amigos e membros de um grupo.

A ação decorrente chama-se apropriadamente de nepotismo.

Nesse sentido, o atropelamento da ética está vinculado à força de valores familiares tradicionais que envolvem intensos sentimentos de obrigação.

Essas relações, em situações de instabilidade com escassez de oportunidades, geram mais obrigações do que direitos e não têm sido a melhor forma de avanço na luta pela cidadania.

Nesse aspecto, os Poderes da República têm que compreender que a família ampliada é uma instituição eficaz para a sobrevivência, mas um obstáculo para o desenvolvimento.

O nosso Tribunal de Contas e a Assembléia Legislativa, ao colocar óbices constitucionais às ações contra o nepotismo, têm que compreender que em situacões desse tipo: calado mió.

O país precisa valorizar seus valores éticos e morais para dar seqüência às reformas que acreditamos necessárias ao desenvolvimento.

Pesquisas recentes mostram o efeito deletério do familismo amoral em muitos aspectos do desenvolvimento econômico na medida em que favorecem a corrupção e reduzem significativamente a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto.

Não é fora de propósito que os países ricos e mais desenvolvidos economicamente são os menos corruptos politicamente, a exemplo da Dinamarca, Suécia e Noruega.

Os países menos ricos com alta motivação de realização são os mais corruptos, estando entre esses a Rússia, a Coréia do Sul e a Turquia.

Não é de estranhar que o peso dos fatores internacionais na mudança social tem sido bastante alto nos últimos tempos, e tende a aumentar no futuro sob a pressão crescente da globalização da sociedade.

Diante disso, só os países com um sistema de valores favorável à resistência da tentação pelos lucros, privilégios ou benefícios fáceis são capazes de manter uma opção correta pelo desenvolvimento. É bem verdade que, no Brasil, esse processo tende a entrar em crise quando os privilégios das elites são ameaçados.

No entanto, para a eliminação desses obstáculos é essencial a prevalência de certos valores sociais.

Dentre esses, devem estar os valores intrínsecos - aqueles que se mantém, independentemente de seus custos ou benefícios.

O patriotismo como valor exige sacrifícios e às vezes é desvantajoso para o bem estar individual.

Entretanto, ao longo da história, centenas de milhões de pessoas morreram defendendo seu país.

Em comparação, um valor é somente útil quando o apoiamos porque ele nos beneficia diretamente.E aí está o grande desafio para o país: separar os interesses pessoais dos interesses sociais.

Isolar os interesses corporativos de classes dos interesses nacionais.

Imunizar o Estado do vírus do familismo amoral.

Do nepotismo.

Da família ampliada.

Para o ingresso no desenvolvimento sustentado nós precisamos de valores intrínsecos.

Precisamos de força e persistência para extirpar os privilégios seculares.

As reformas que aí estão, independentemente do governo que as implemente, são inadiáveis e precisam daqueles valores, uma vez que os valores de utilidade são temporários.

A forte pressão social na busca dos objetivos de renda e reconhecimento social é plausível.

Todavia, valorizar o sucesso econômico como um objetivo importante mas restringir o acesso às oportunidades gera graus mais altos de corrupção.

Logicamente, aqueles que têm pouco acesso às oportunidades rejeitam as regras do jogo e tentam vencer por meios não convencionais.

Nesse sentido, é óbvio que países com altos desejos de renda e reconhecimento tendem mais a transgredir princípios éticos.

E queiramos ou não, este é o caso do Brasil.

Alimentadas pela mídia, todas as classes sociais estão numa corrida louca em busca do sucesso rápido e do reconhecimento social imediato.

Todavia, antes desse estágio, o que algumas classes precisam mesmo, é garantir a sua integridade e a sobrevivência das outras.

E isso só é possível sem a cultura do nepotismo ou familismo amoral, e com valores éticos e morais transparentes.

PS: Carlos Alberto Fernandes é ex-secretário executivo do Tesouro Nacional e economista.