Por Sérgio Montenegro Filho É surpreendente o “remendo” de reforma política aprovado pela Câmara dos Deputados, que concede anistia (seria mesmo essa palavra?) aos parlamentares infiéis.
Ou seja: aqueles que fizeram campanha - e se elegeram, com os votos dos que acreditaram neles - por um determinado partido, e depois trocaram de sigla por uma questão de conveniência.
Nos bastidores, o governo Lula colaborou para aprovar esse gigantesco casuísmo.
Assim, pode continuar promovendo a mesma política dos seus antecessores, do toma-lá-dá-cá, atraindo deputados e senadores para o grande guarda-chuva de benesses das quais usufruem os integrantes das legendas de sua base de sustentação.
Para quem ainda não entendeu a questão: caso seja referendada pelo Senado, a nova lei vai de encontro à resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, no início do ano, concedeu a posse dos mandatos aos partidos, e não aos eleitos.
Trocando em miúdos, deu às legendas o poder de recorrer à Justiça para reaver o mandato e entregá-lo ao suplente.
A “anistia” diz que quem já trocou de partido antes da aprovação da lei está livre de perder o mandato.
Mas mais espúrio ainda é a brecha que permite as mudanças de sigla até 30 de setembro, prazo final para filiação partidária de candidatos às eleições do próximo ano.
O empenho do Planalto na aprovação da matéria, porém, de forma alguma exime o Legislativo de culpa, uma vez que se trata - ou ao menos deveria tratar-se - de um poder independente.
O espírito de corpo, mais uma vez, falou alto.
A justificativa da “anistia” - e insisto em questionar o uso desse termo - abre ainda mais o leque do protecionismo, ao alegar que a medida não poderia retroagir porque antes não havia lei que proibisse o troca-troca partidário. É necessário abrir um parênteses para as exceções. É verdade que nem sempre a troca de sigla é movida por interesses pessoais e fisiologismos. Às vezes, não é o parlamentar, mas o partido que muda de rumo e descumpre compromissos assumidos antes da campanha com seus próprios candidatos.
Essa foi a justificativa apresentada pelo senador brasiliense Cristovam Buarque, por exemplo, para trocar o PT pelo PDT.
Saiu batendo forte, acusando os dirigentes petistas de mudarem as regras com a partida em curso, traindo os compromissos assumidos com o eleitorado.
O mesmo motivo, aliás, levou outros parlamentares a migrarem do PT para o P-SOL.
Entre eles, a ex-senadora Heloísa Helena.
Como na política deste país - absolutamente despida de ideologias - a única coisa que varia é a polaridade, agora quem ameaça ir à Justiça questionar o “remendo” é o Democratas e o PSDB, sob a alegação de que haveria um acordo entre a bancada governista e o Planalto para aprovar a nova lei.
A iniciativa, porém, está longe de ser movida pelo moralismo.
Vale lembrar, por exemplo, que na época da votação da emenda da reeleição - direcionada sob encomenda para o então presidente FHC - esses dois partidos fecharam os olhos ao casuísmo e votaram em massa a favor.
Como disse, aqui se muda apenas de lado.
A investida dos dois partidos no Supremo Tribunal Federal (STF), porém, ameaça dar em nada.
Há quem aposte que o tribunal vai acatar a interpretação do TSE, de que o mandato pertence, sim, ao partido.
Mas não deve permitir o efeito retroativo que cassa os mandatos dos infiéis do passado.
O que se pode concluir de tudo isso é que a reforma política, tão apregoada pelos próprios parlamentares - inclusive como compromisso de campanha - não vai mesmo sair do papel.
Ao menos no formato desejável.
Graças ao corporativismo do Congresso Nacional, a quem caberia a responsabilidade de promovê-la.
E sendo assim, como confiar numa instituição que, embora criada com o objetivo de fazer leis, todas as vezes em que se dispõe a legislar coloca sempre em primeiro plano seus interesses pessoais ou se deixa reger pela egocêntrica briga entre governo e oposição?
Se continuar assim, não adiantam as queixas dos congressistas de que a Justiça Eleitoral extrapola seus limites constitucionais e baixa resoluções disciplinando a condução dos pleitos. É, sim, uma exorbitância de poder, mas afinal de contas, alguém tem que fazê-lo.
Da forma como está, com o Legislativo olhando sempre para o próprio umbigo, qualquer discurso moralista sobre a necessidade de resgate da imagem da instituição vai continuar sendo encarado como mera retórica.