A revista Piauí, ao contrário do que o nome pode supor, não vem do Estado nordestino. É uma publicação de circulação nacional, que trata de temas brasileiros, destacando cultura e política.
Um projeto conjunto do documentarista João Moreira Salles e do dono da editora Companhia das Letras, Luis Schwarcz.
Vale muito a pena ler o perfil de Bruno Maranhão publicado na edição deste mês da revista.
Ele mostra todas as suas contradições como filho de usineiros que, nas horas vagas, é líder de sem-terra.
Maranhão só não gosta quando lhe perguntam como se sustenta.
Mas para o seu irmão, o usineiro Gustavo Maranhão, dona Gisela, a matriarca da família, “dá uma ajudazinha”.
Confira a reportagem abaixo.
CONCILIAÇÃO DE CLASSES “Este aqui é o Sílvio, misto de motorista e segurança”, disse Bruno Albuquerque Maranhão, abrindo a porta de um carro bem rodado, numa avenida de Jaboatão, nos arredores do Recife. “Andamos armados porque eu estou ameaçado de morte.
Tenho também uma Nissan blindada, que foi presente da família, mas hoje eu não quis usar”.
Bruno Maranhão parecia bem disposto naquela manhã do mês passado.
Ainda mais porque passara parte da madrugada na festa de aniversário do ex-ministro Humberto Costa, seu companheiro no diretório nacional do PT. “Fui tratado como uma celebridade”, comemorava, com alguma ironia, o líder do Movimento de Libertação dos Sem-Terra, a organização que, há pouco mais de um ano, invadiu a Câmara Federal e teve 200 de seus militantes presos – inclusive Maranhão.
Ele é uma celebridade na esquerda pernambucana não só por ser veterano em subversão, mas também por ter dirigido o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, o PCBR, que teve doze mortos e quatro desaparecidos durante a ditadura militar.
Ou porque ficou detido 39 dias no presídio da Papuda, em Brasília, em função da invasão da Câmara.
Ele também é famoso porque é a ovelha negra da nobre estirpe dos Albuquerque Maranhão, tradicional família de usineiros de cana-de-açúcar, o setor mais reacionário da burguesia nordestina.
Sílvio nos levou, naquela manhã de julho, a um assentamento do Movimento de Libertação dos Sem-Terra, no Cabo de Santo Agostinho, a 40 quilômetros de Recife.
O assentamento, chamado Arariba de Baixo, serviu de berço para o MLST.
Ele era uma usina falida, vizinha a uma outra que pertencia aos Albuquerque Maranhão.
Em 1992, a família iniciou negociações para comprá-la.
Até que Bruno, primogênito de seis irmãos, descobriu, e passou a organizar a invasão da usina.
Sua mãe, Gisela, e um dos irmãos, Gustavo, ouviram rumores sobre a invasão eminente.
Chamaram-no, e perguntaram se era verdade. “Eu menti para eles”, lembra Bruno Maranhão. “Não podia trair o movimento às vésperas da ocupação”.
Avisada de que Maranhão iria visitá-la, boa parte das 150 famílias do assentamento se reuniu para esperá-lo.
Os sem-terra o tratam com afeto e reverência, e ele retribui os abraços com entusiasmo: desculpa-se pela ausência prolongada, lembra os 39 dias de cadeia e repete (ao que parece, pela milésima vez) a história de como enganou a família para conseguir a terra.
Na reunião que se segue, ouve cinco assentados se queixarem de que falta quase tudo para aumentar a produção.
O produto que tem melhor saída é a cana mesmo – e o seu único comprador é Gustavo Maranhão.
Uma das queixas é de que o preço (32 reais a tonelada) pago pela cana é baixo, está abaixo do valor do mercado.
Na sua vez de falar, Bruno ignorou o problema do irmão e da cana. “Estou orgulhoso de vocês”, repetiu várias vezes, antes de ir à escola municipal assistir a uma exibição de capoeira.
São cenas de sua revolução particular. “Minha militância toda é uma coerente busca do socialismo”, diz. “Sei que não vou viver para ver este dia, mas esses pequenos passos fazem parte do processo.” Na noite anterior, antes da festa, tomou um aperitivo e jantou no casarão da mãe, no bairro de Parnamirim.
Bebeu quatro doses de uísque, “para relaxar”, conforme explicou.
Pediu que a mulher tocasse piano, e a socióloga Suzana, com quem está casado há quarenta anos, aquiesceu.
E comeu o mais rápido que pôde um filé mignon mal passado.
O dia foi tenso, reclamou.
Parte dele passou-o no dentista, debelando uma dor que tentara curar com automedicação.
Também esteve no escritório do MLST, no bairro de Casa Amarela, resolvendo demandas administrativas, atendendo militantes, dando e recebendo telefonemas.
Segundo Maranhão, o Movimento está estruturado em dez Estados, é integrado por 50 mil famílias e, neste ano, conseguiu 5 milhões de reais do governo Lula para desenvolver “projetos sociais”.
Ele acha pouco, sobretudo quando compara a soma à verba recebida pelo MST.
Não há parentesco entre as duas organizações.
O MST é mais antigo, estruturado e, em que pese o papel preponderante de João Pedro Stédile, tem uma direção de verdade.
Já o MLST, apesar de ter 35 dirigentes, não existiria sem Bruno Maranhão.
Ambos os movimentos se assemelham nos métodos de luta, como as invasões de terras e de prédios públicos.
Em algumas regiões, como Itaíba, em Pernambuco, disputam o mesmo chão.
Maranhão arregimenta para o seu grupo dirigentes que foram afastados do MST por alegados problemas éticos, ou comportamento inadequado. “São quadros experimentados”, diz ele.
Maranhão está à frente de outra organização de esquerda, a tendência Brasil Socialista, sexta força interna do PT.
Foi a BS que lhe deu os votos para ter um cargo no diretório nacional do partido do presidente Lula.
Ele já teve um posto melhor.
Estava na executiva, na função de secretário de Movimentos Populares.
Perdeu-a quando da invasão do Congresso.
O deputado Ricardo Berzoini, presidente do PT, afastou-o do cargo e disse que acionaria a comissão de ética para apurar seu papel na confusão. “Eu disse ao Berzoini que estava me lixando pra comissão de ética”, disse.
Segundo Maranhão, até hoje a comissão não foi instalada. “Eu fui ouvido pela executiva, e ficou nisso.” Maranhão conta que Berzoini foi avisado de que o MLST faria no Congresso uma manifestação “de peso, mas pacífica”, para coroar uma semana de debates.
Também estava planejada a entrega de uma pauta de reivindicações ao presidente da Câmara, Aldo Rebelo. “Berzoini apenas me recomendou que não participasse diretamente da ação, para evitar danos à campanha do Lula à reeleição”, disse ele, no saguão de um hotel na praia da Piedade.
O assunto o deixa exaltado, a ponto de fazê-lo levantar-se da poltrona, agitar os braços e falar como se estivesse num comício, sem nenhuma preocupação com os hóspedes que passam: “Também avisei ao Aldo Rebelo, uma semana antes”.
No dia marcado, com evidente sacrifício, seguiu o conselho de Berzoini.
Ele ficou no gabinete do deputado Nelson Pelegrino, enquanto mil integrantes se movimentavam para chegar ao Salão Verde.
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