Depois do “Dossiê Tapuru”, com que apontou as precárias condições de trabalho e atendimento à população do HR, o médico intensivista Tiago Acioli, 28 anos, volta a ocupar um espaço no Blog.

Hoje com um artigo em que dispara críticas a todos os governos e ao juiz que, durante o movimento dos médicos, determinou aos plantonistas demissionários que voltassem ao trabalho.

Para ler o que publicamos sobre o Dossiê Tapuru, clique aqui.

Abaixo, o artigo de Tiago.

REPÚDIO À CLASSE MÉDICA?

Por Tiago Acioli* Recordo que há alguns dias um desconhecido deixou um “recadinho” para mim bastante confuso, prolixo, pouco objetivo, falando nas propriedades do meu sono.

Ele tinha dúvidas se ao por a minha cabeça sob a fronha, eu atingiria o sono REM com facilidade.

Num tom de prepotência até engraçada, disse que tem repúdio a mim e à classe médica…

Logo eu, que sou tão querido pelos meus pacientes?

Vi que aqui ele expôs a “quase” poesia que um Juiz, na autoridade que lhe é conferida e que respeito assinou: “Na briga entre o mar e a rocha, o marisco não pode sofrer!” Vossa Excelência e demais autoridades, confesso que fiquei um pouco triste ao ser colocado na categoria de uma rocha.

Entre todos os “atores” deste espetáculo que se formou, eu fui inserido na única que é não-vivo.

Uma pedra, um pedaço de coisa inanimada, que não tem nem coração…

Uma rocha, senhor Juiz?

Que tipo de rocha?

Uma rocha ígnea, Sedimentar ou Metamórfica?

O Senhor não especificou!

Tudo bem, serei rocha como o senhor, sentado em sua cadeira de madeira de carvalho, talhada à mão, acolchoada de couro de búfalo e bem fofinha.

Vestido com sua toga, é o senhor quem manda.

Manda quem pode e obedece quem tem juízo.

Eu ainda o tenho e sou um cidadão de bem, cumpridor das leis…Pois então que eu seja uma rocha Metamórfica, eu e meus colegas: Rochas Metamórficas.

A origem de seu nome também vem do grego (meta = mudança, morpho = forma).

São formadas a partir de rochas ígneas ou sedimentares que oram modificadas em sua estrutura, textura ou composição pela ação de altas temperaturas, pressões, ou líquidos e gases que reajam quimicaqmente com a rocha original .

Se estamos recebendo pressões, se vivemos como semi-humanos, se nem humanos somos como alguns pensam, nós temos o legítimo dever de modificar o cenário que aí está. É como diz a HANNAH ARENDT, uma das maiores mentes de que tenho ciência neste planeta, em “Homens em tempos sombrios” (1968): “a luz pública midiática que, por iluminar a tudo e a todos de maneira indistinta, a tudo acaba por obscurecer, tornando invisível qualquer primazia ou excelência…” A queda de braços entre artigos do código de ética médica foi exposta.

Nós sabemos decorados esses artigos, eu ando com eles na minha bolsa.

Não sou íntimo de leis, nem gosto muito desse mundo escolástico forense…

Mas uma coisa eu sei.

A Carta Magna, que é a mãe de todas as leis e não pode ser contrariada em nenhuma hipótese, a Constituição Federal do Brasil de 1988, diz em seu artigo quinto que \ odos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença." Não sou japonês que gosta de comer biscoito de larva de bicho da seda, que dirá de moscas.

Não sou obrigado a trabalhar num lugar que serve croquete com patas de barata, a me arriscar levar um banho de sangue na cara porque falta máscara, a respirar milhões de bacilos de Koch e deixar que nadem em meus alvéolos.

Não sou obrigado a arriscar a minha vida por outrem…

Só arriscaria a minha vida por outra pessoa, em nome do Amor Spinozista, que só serei capaz de ter por meus filhos e esposa.

Coisa que ainda nem tenho!

Não quero e nem vou me tornar mártir, entende?

Não sou metido em nenhum partido, nem conheço ninguém do sindicato.

Fui lá pela primeira vez semana passada para esclarecer dúvidas do meu interesse…

Sou do Partido da Vida Humana e não é de agora que vejo esse barco da Saúde Pública ameaçar naufragar.

Quem quiser que fique pra ver o naufrágio!

Eu quero preservar a minha vida e pode ter certeza que vou dormir no sono REM, pois não sou eu o responsável por isso que está acontecendo, nem tão pouco os meus colegas…

Nesse mar evocado pelo Juiz, sim, é que estão os responsáveis: esses tubarões que devoram nossos impostos, uma carga tributária exorbitante que vai parar nas cuecas de seus assessores, nos precatórios…

Que elegem como prioridades construir estádio de futebol pra a Copa do Mundo…

Pelo Amor de Deus, com tantas coisas pra resolver, vai querer resgatar os moldes do Império Romano: pão e circo para todos!

Não falo apenas deste governo, pois também acho uma “palhaçada” o que foi feito no governo passado!

O Hospital Getúlio Vargas onde fiz Residência Médica desabou, quase provocou uma tragédia…

Passou mais de dois anos para ficar pronta a sua reconstrução.

E no fim do mandato, o último Governador entregou a obra inacabada pra aparecer nos jornais como homem que faz…

Enfim, aconteceu um incêndio poucos meses depois por causa de um serviço mal feito…

Entra governante, sai governante e ninguém muda nada!

Por favor, façam mais e falem menos!

Tubarões, não comam os mariscos!!!

Ou melhoram as nossas condições de trabalho, ou só piso de novo no HR com um revólver na minha cabeça!!!

O Estado tem o dever legal e moral de cumprir a constituição federal, a lei 8080/90.

Se o Sistema Público está falido, leve os pacientes do SUS para os Hospitais particulares e pague a despesa! É a obrigação que o Estado tem!

Como dizia Charles Chaplin: “Pensamos demasiadamente, sentimos muito pouco.

Necessitamos mais de humanidade que de máquinas.

Mais de bondade e ternura que de inteligência.

Sem isso a vida torna-se violenta e tudo se perde.” *Médico intensivista da UTI de Infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz.

Ex-médico da Emergência do Hospital da Restauração.