Que triste destino deram à CPMF!
Por Carlos Chaparro (*) XIS DA QUESTÃO - O governo quer os 36 bilhões/ano da CPMF, não por causa das carências da área da saúde, mas para manter o equilíbrio orçamentário sem precisar reduzir os gastos (principalmente com pessoal), que não param de crescer, inflados, também, pelos superfaturamentos da corrupção.
Enquanto isso, em Pernambuco, até gaze falta nos pronto-socorros. 1.
Nutrindo tetas sugadas…
Chega a ser irônico, perversamente irônico, que na mesma semana em que a televisão expôs ao Brasil a dramaticidade do descalabro da saúde pública em alguns estados do Nordeste, os jornais nos digam que o governo faz no Congresso jogos políticos na base do mais tradicional e rasteiro “toma lá dá cá”, para conseguir prorrogar a CPMF por mais quatro anos.
E faz isso com justificativas que nada têm a ver com as razões que levaram o dr.
Jatene a propor em 1996, e a implantar em 1997, o famigerado imposto do cheque.
O dr.
Jatene idealizou essa contribuição sobre a movimentação financeira como forma temporária de financiamento de um bom modelo de saúde pública.
Mas a CPMF teve a vida alongada por sucessivas renovações, traindo o próprio nome e as finalidades que a justificavam na origem.
Deixou de ser provisória e nada mais tem a ver com Saúde Pública.
O governo luta pelos 36 bilhões/ano que o imposto lhe garante, mas não por causa de investimentos e melhorias que tão urgentes são na área da Saúde.
O governo quer esses 36 bilhões/ano, sem partilhas, para manter o equilíbrio orçamentário, sem precisar reduzir os gastos (principalmente com pessoal), que não param de crescer.
E porque assim é, enquanto falta dinheiro para cuidar da saúde do povo, dinheiro jamais falta nas tetas sugadas pelo empreguismo e pelos superfaturamentos da corrupção.
Triste e vergonhoso destino teve a CPMF, idealizada para outros fins pelo dr.
Jatene.
Caos criminoso Entretanto, em Pernambuco, foi preciso que os médicos plantonistas nas emergências hospitalares fizessem um movimento radical, com auto-demissões em massa, para o governo estadual descobrir a situação caótica das condições em que se fazia o atendimento de urgência da população.
Eles conseguiram, pelo menos, nos mostrar que, quando morrem pessoas (e não é caso raro) nos pronto-socorros devido à precariedade das condições de atendimento, os culpados por essas mortes não são os médicos, mas os governantes.
Entre as pessoas de Recife com quem, sobre o assunto, hoje conversei por telefone, um motorista de táxi me garantiu que a população ficou ao lado dos médicos, por entender que, além da justa reivindicação por melhores salários, eles lutavam pela melhoria das condições de atendimento à população.
Nas unidades de atendimentos de emergência não eram só as camas, as macas e o espaço físico que faltavam.
Faltava gaze, algodão, medicamentos, equipamentos, higiene, pessoal nas equipes de plantão.
Para que os meus leitores possam fazer idéia da gravidade do caos a que a saúde pública chegou por lá, conto-lhes algo espantoso – e aferi a informação em várias fontes.
Um problema novo hoje existente em Pernambuco é a falta de macas nas ambulâncias dos bombeiros.
Há relatos de casos em que, no atendimento a acidentes, a falta de maca na ambulância de resgate impediu os bombeiros de fazer o transporte das vítimas para o hospital mais próximo.
E sabem vocês porque faltam macas nas ambulâncias dos bombeiros?
Porque, frequentemente, em operações de socorro, junto com o paciente, os bombeiros são obrigados a deixar também a maca, por não haver, no pronto-socorro, macas disponíveis para receber pacientes.
Por lá ficam as macas das ambulâncias, até que os doentes que as ocuparam tenham alta.
E nem todas voltam…
Uma vergonha!
E vergonha maior, por tudo isso acontecer num país obrigado a assistir à internacionalização de discursos ufanistas do tipo “nosso biocombustível vai mudar o mundo”.
Que bom seria se o milagre do biocombustível servisse, ao menos, para mudar este Brasil de dores e humilhações, um pedaço do qual os médicos plantonistas de Pernambuco conseguiram expor ao mundo. *** Nem todos os médicos plantonistas envolvidos no movimento voltaram atrás, na decisão de se demitir do serviço público.
Mas o acordo feito trouxe de volta aos hospitais os que acreditaram nas boas intenções do governo, que se comprometeu não somente em melhorias salariais.
Prometeu, também, reduzir drasticamente as carências que justificaram o movimento dos médicos pernambucanos.
Vamos ver…
Quem te viu, quem te vê…
Entretanto, nos teares da negociação parlamentar, os entendimentos estão sendo tecidos em bastidores protegidos, para garantir aos cofres do professor Mantega os 36 bilhões do CPMF já previstos nos cálculos orçamentários de receitas.
O que significa dizer que a prorrogação do providencial imposto já eram favas contadas, nas contas do governo.
Que a CPMF vai ser prorrogada, ninguém mais duvida.
Dos acordos feitos para que assim seja, os mais nojentos talvez nem tenham sido noticiados.
Mas o que os jornais informam hoje já é suficiente para lamentarmos que nada tenha melhorado na política brasileira, depois que o PT se recostou nos espaldares palacianos.
Ficou igualzinho aos outros.
Por isso, na hora de ajustar interesses, todos se entendem tão bem…
Pelo que os jornais dizem, em troca do voto na prorrogação, e entre outras “generosas trocas”, as hostes governistas aceitam votar um projeto de fidelidade partidária que “anistie” os 38 parlamentares que mudaram de partido depois de eleitos em 2006, e que estão ameaçados de perder os mandatos, por decisão do TSE. *** Em resumo: a refestelança nas salas, ante-salas e cozinhas do poder transforma para pior não somente as pessoas, mas também os partidos.
Por isso, temos de tomar como coisa normal ver o mesmo PT que, lá atrás, tanto brigou contra a criação da CPMF, ocupar hoje posição de vanguarda nas ações e nos argumentos em favor da prorrogação.
E assinando em baixo, com punho firme e sorriso no rosto, acordos que, em idos tempos de oposição, repudiaria com alarde noticiante – que para isso serviam os discursos carregados de ornamentos supostamente éticos.
Quem te viu, quem te vê… (*) Manuel Carlos Chaparro é doutor em Ciências da Comunicação e professor livre-docente (aposentado) do Departamento de Jornalismo e Editoração, na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, onde continua a orientar teses. É também jornalista, desde 1957.
Com trabalhos individuais de reportagem, foi quatro vezes distinguido no Prêmio Esso de Jornalismo.
No percurso acadêmico, dedicou-se ao estudo do discurso jornalístico, em projetos de pesquisa sobre gêneros jornalísticos, teoria do acontecimento e ação das fontes.
Tem quatro livros publicados, sobre jornalismo.
E um livro-reportagem, lançado em 2006 pela Hucitec.
Foi presidente da Intercom, entre 1989-1991. É conselheiro da ABI em São Paulo e membro do Conselho de Ética da Abracom.