Por Ana Lúcia Andrade e Paulo Sérgio Scarpa Do Jornal do Commercio Conversar com o deputado Roberto Magalhães (DEM) resulta sempre em temas polêmicos.

Nessa entrevista concedida na segunda-feira (30), em seu escritório, ele fala, entre outros assuntos, de um que vem incomodando o PMDB, o DEM e o PSDB (a antiga aliança) há algum tempo: a incapacidade do grupo de exercer uma oposição eficaz ao prefeito João Paulo (PT).

JORNAL DO COMMERCIO – Ainda é possível aprovar alguma coisa da reforma política?

ROBERTO MAGALHÃES – A maior preocupação hoje dos congressistas é com os gastos de campanha.

Ninguém suporta mais.

Conheço deputados ricos que dizem que não aguentam mais voltar ao Congresso.

Imagine os de classe média como eu.

Além de não suportar mais os gastos de campanha, há um entendimento unânime de que esse surto de corrupção que está aí, e que nunca houve igual, começa no processo eleitoral.

Porque é no processo eleitoral que se tem a raiz da corrupção: no lançamento de quadros políticos, na eleição deles, no acesso do Poder.

Quem é que, eleito na base dos milhões, vai ter compromisso com os interesses do País?

Não vai.

O compromisso desses é com o dinheiro.

Só se for um político dotado de civismo e patriotismo, o que é um caso teratológico.

São coisas que não podem conviver: a tentativa de reaver o que gastou e o interesse público.

Com a lista fechada não se teria o financiamento privado.

Mas a lista não passou e isso prejudicou o principal da reforma: o financiamento público.

JC – Por que não passou, os parlamentares não compreenderam bem o propósito?

MAGALHÃES – A primeira razão é a insegurança de grande parte dos deputados de que, mudando o sistema, eles poderiam não se eleger.

A segunda é o receio de que voltássemos à velha política das oligarquias que levaram esse País à uma revolução em 1930.

JC – Esse foi o motivo mais forte à resistência à lista?

MAGALHÃES – Para alguns parlamentares sim.

Mas a maioria não pensa assim, ela quer se reeleger e não se preocupa com as oligarquias.

Eu combati muito a lista fechada na comissão especial.

Votei contra inclusive.

Porque todo partido tem dono.

Quem disser que não está mentindo.

O que se precisa saber é quantos donos tem.

Há partidos de um só, outros com mais de um, mas há sempre um grupo dominante que é quem manda no partido.

E quem não tiver as graças dessa oligarquia partidária…

Eu saí da Prefeitura em 2000 e, de lá para cá, não tive mais nenhum espaço de Poder.

Sem espaço você não tem mídia.

Se eu tivesse um secretário de Estado e ele fosse fazer uma inauguração me levaria com ele.

Mas se ele não tem nada a ver comigo, se eu entrar lá eu sou um intruso.

JC – Como o senhor perdeu esse espaço?

O senhor deixou a Prefeitura em 2000, mas de lá para cá seus aliados estiveram no Poder.

MAGALHÃES – Mas eu não tinha o Poder, não tinha espaço.

Não quero criticar ninguém.

Mas havia vereador que tinha diretoria de Dere e eu não tinha uma única diretora.

JC – O senhor ficou órfão dos governos da aliança?

MAGALHÃES - Fiquei órfão.

Não foram só dos governos da aliança.

Mesmo antes da aliança eu sempre me candidatei muito sozinho.

Ajudado mesmo eu só fui na campanha de governador, por Marco Maciel, e na de prefeito por Jarbas Vasconcelos.

Para a de deputado federal sempre fui muito solitário.

Nessas duas últimas eu não tive um único prefeito.

Vereador, dois ou três, mas por amizade.

E o pior de tudo é que, quando se cogitou que meu filho poderia ser secretário (Carlos André, cotado para assumir a Justiça no segundo governo Jarbas), o mundo veio abaixo.

Fui governador , saí em 86 para disputar o Senado, e de lá para cá tudo que eu fui foi pelo voto.

Fui sempre o deputado em primeiro ou segundo mais votado.

Só agora (em 2006) que mudou.

E também não nomeava ninguém para cargos.

Mesmo quando os governos eram do partido não tinha espaço para isso.

JC– Há uma explicação política para isso?

MAGALHÃES – Prefiro não ficar pensando nisso.

E se identificasse não verbalizaria.

Se algum dia eu for escrever sobre minha experiência política eu contarei a história que acho que deve ser contada.

Mas acho que não tenho porque escrever.

Quem deve escrever é quem tem ou teve uma presença nacional.

Eu só tive presença nacional duas vezes: quando fui governador com Tancredo Neves, apoiando ele, como rebelde, e quando fui relator da CPI do Orçamento.

JC – Esse episódio do seu filho ainda está engasgado?

MAGALHÃES – Não, pra ele (o filho) foi melhor assim.

Para mim é que não foi.

Porque se eu tivesse um filho secretário ou em um cargo importante o que aconteceria?

O político brasileiro tem uma enorme tendência a ser governista.

Você não encontra um governador em Pernambuco sem maioria na Assembléia e um prefeito sem maioria na Câmara.

Na hora que doutor Roberto tem prestígio tem quem o procure.

Na hora em que ele não tem, quem vai procurá-lo?

JC – O que ocorreu de fato no episódio da indicação de seu filho para a Justiça no governo Jarbas?

MAGALHÃES – Não quero voltar a isso para não ferí-lo mais.

Esse foi um processo muito desgastante.

Depois veio a vice (à Prefeitura do Recife), que ele não queria, mas todos queriam, e ele foi vice de Joaquim Francisco (em 2004), pelo PTB, e ali foi uma segunda decepção política.

JC – Faltou espírito de aliança com o senhor?

MAGALHÃES – Eu gostaria que tudo que estou dizendo não fosse vinculado à aliança com Jarbas.

Porque ele é um assunto bem mais recente e não vejo razão para ele não gostar de mim.

Jarbas sempre deu provas de gostar de mim e ter confiança.

Se no governo dele eu fiquei apagado, provavelmente terá sido fruto do grupo palaciano, que mandava.

Não que Jarbas seja pau mandado de ninguém.

Mas todos nós temos aqueles que influem sobre a gente.

JC – Insisto em vincular seu desabafo à aliança porque o grupo do qual o senhor fazia parte ficou no Poder por quase dez anos.

MAGALHÃES – Foi.

Uma hipótese que talvez explique isso é o entendimento de que doutor Roberto é muito forte e não vale a pena dar gás a ele, vamos mantê-lo inativo como um vírus de vacina.

Ou então que doutor Roberto é complicado, tem mania de independência, pode criar caso, diz o que quer, então vamos monitorá-lo.

Nunca me faltou apoio para ser candidato em Pernambuco.

Para ser candidato.

Mas vinte anos depois de ser governador, qual foi o cargo importante que exerci?

Todos de uma geração mais nova tiveram um cargo mas eu não tive.

Fui presidente da Comissão de Justiça (Câmara) porque tinha condições de ser.

Mas foi uma eleição em que dei um xeque-mate (jogada de xadrez em que o rei atacado não pode escapar e que põe fim à partida com a derrota do jogador que o recebe).

O líder era meu amigo e ainda é, chamava-se Inocêncio Oliveira.

Ele sentiu que ali eu ia explodir tudo porque ia ser muito duro (perder a comissão de Justiça).

Eu iria virar a mesa.

JC – Esse tratamento que o senhor vem recebendo pode refletir no seu empenho nas próximas campanhas?

MAGALHÃES – Não sei se sou mais um cabo eleitoral importante.

Quando tinha 200 mil votos era, agora com 100 mil não sei se sou.

Também não sei se continuo na política, ainda vou pensar.

Não gosto de antecipar decisão porque a vida mostra que as coisas mudam rapidamente.

Mas por falta de visibilidade, de esquema em que eu possa me projetar, e com o tiro de misericórdia que foi o fim dos outdoors!

Só havia um deputado mais votado do que eu que era Cadoca.

Eu era o mais votado do Recife.

No entanto, no aparecimento dos deputados no guia, eu tinha 30 segundos em três dias.

Nunca iniciei o programa eleitoral.

Mas não quero que isso pareça um desabafo, que estou magoado, porque a coisa pior do mundo é um homem ressentido.

Tanto não estou ressentido que voltei para a aliança e para o PFL (DEM).

Sei que minha maneira de ser e meu temperamento não ajudam.

Mas se perdi 90 mil votos, em seis anos, por falta de exposição na mídia, agora que sou oposição nos três planos, como é que vou me reeleger?

Não vou jogar o patrimônio que construí, em mais de 40 anos de trabalho, na política para chegar na velhice pedindo dinheiro emprestado.

Eu perco a eleição mas não jogo fora o que não é meu, é de minha família.

JC – O senhor não considera que tem uma contribuição importante a dar na sucessão de 2008?

MAGALHÃES - Sozinho ninguém ajuda ninguém.

Se eu não tenho poder, não tenho prefeitos, não tenho colégio eleitorais…

Agora a situação é diferente.

Não estou sozinho porque me deixaram.

Mas porque estou na oposição nos três planos de governo.

Mas estamos todos empates.

Estão todos iguais a mim.

Outra coisa que me desanima é que está havendo muita tolerância com a corrupção.

Começo a achar que os suspeitos de corrupção terminam sendo homenageados.

Isso é muito grave.

Porque ressalvados determinados segmentos da sociedade, que ainda são capazes de se indignar, isso vem se tornando uma coisa comum.

Tão comum que existe até uma terminologia: um diretor de uma estatal, quando está lá para roubar, é chamado de operador.

Por que é que tenho falado tão pouco?

Porque se eu falar essas coisas vai adiantar de quê?

Só vai desencantar os mais jovens.

JC – Uma cobrança tem se tornado recorrente entre aliancistas: a de que faltou oposição ao prefeito João Paulo (PT).

O senhor concorda?

MAGALHÃES – A aliança não fez oposição a João Paulo, mas Jarbas também não teve oposição.

Eu tenho a impressão de que aquilo foi um acordo, não foi não?

JC – Acordo de quem?

MAGALHÃES – Das duas partes.

JC – João Paulo e Jarbas?

MAGALHÃES – Ou entre Jarbas e João Paulo ou entre os partidos.

Alguém fez.

Quem foi eu não sei.

Aquilo não pode ter sido por acaso.

Porque João Paulo vivia louvando Jarbas.

Jarbas andando até de carro com ele para inaugurar obras.

Eles sinalizaram para os seus companheiros.

JC – O senhor está dizendo que a parceria administrativa entre Jarbas e João Paulo imobilizou a oposição a ambos?

MAGALHÃES – Jamais diria isso.

Não vou provocar Jarbas.

JC – Há uma dificuldade, sobretudo dos Democratas, de exercer a oposição?

MAGALHÃES – Hoje não.

Dizem que os tucanos é que são muitos…

Mas é natural.

Sérgio Guerra foi secretário de Arraes.

Mas o PFL só tem dois vereadores na Câmara!

Priscila (Krause) bate, mas uma andorinha só não faz verão.

JC – Mas essa é uma cobrança antiga.

Na campanha de Cadoca, em 2004, a duas semanas da eleição, o ex-ministro Gustavo Krause disse que faltou oposição ao prefeito.

MAGALHÃES - Faltou.

E não foi só oposição.

Faltou campanha.

Porque antes da campanha, o Duda Mendonça encheu a cidade de outdoors dizendo que João Paulo era dono de tudo.

Que só ele tinha feito a bolsa-escola, ele se tornou o dono de tudo que havia no Recife.

Se você perguntar na rua eu duvido que alguém saiba que fui eu que implantei a bolsa-escola no Recife.

JC – Essa imobilidade da aliança no exercício da oposição pode se justificar no fato de que o grupo ainda está sob impacto da derrota eleitoral?

MAGALHÃES – Sob impacto de derrota eleitoral que nada!

A aliança foi desidratada.

O que podemos fazer, nós do DEM, no âmbito federal, com 58 deputados em 513?

Me diga o que podemos fazer?

Tem muita gente nova, boa, mas não tem repercussão.

JC – No âmbito local, como é que a aliança vai se restabelecer politicamente?

MAGALHÃES – Num determinado momento nós temos que ir para uma mesa e cada um dar sua opinião.

Aí posso ajudar muito o partido.

Porque aí sou eu.

Agora, na hora em que depende de prefeito, de vereador, de cabo eleitoral, de dinheiro, eu fico no meu canto.

O que é que eu vou fazer?

JC – Como o senhor está vendo o governo Eduardo Campos?

MAGALHÃES – Estou desinformado sobre a política de Pernambuco.

Mas ele me trata bem.

Inclusive me ligou para me agradecer a emenda para a adutora (Pirapama).

Mas sempre me dei bem com Miguel Arraes.

Ele sempre me deu tratamento vip.

Não havia nada relevante que ocorresse no Palácio que eu não fosse convidado.

E Eduardo agora está tocando uma obra que começou no meu governo e nunca ninguém tratou de cuidar (Pirapama).

Posso até fazer oposição (ao governo) desde que não seja moleque e nem pessoal.

Se ele está cuidando do município do interior que me deu quatro mil votos, que foi Salgueiro, e cuida de uma obra que eu comecei, você se sente estimulado a falar mal desse governo como?

Do que eu vou falar mal?

Da educação e da saúde?

Não vou, por outra razão, isso vem de muito tempo atrás.

Vi em 2002, na campanha, que a saúde e educação iam muito mal.

Procurei Robalinho (Guilherme Robalinho, na ocasião secretário de Saúde do governo Jarbas), que é meu amigo e foi meu secretário, e chamei a atenção dele para o grave problema.

Disse a ele que a saúde estava uma anarquia, que a politicagem era grande.

E isso não terminou.