Por Roberto Travassos Ferreira* Foi para mim uma grande honra e sinto muito orgulho de ter liderado, com outros colegas, o movimento demissionário dos médicos do Hospital da Restauração (HR), em setembro de 1992, há exatos quinze anos.

Naqueles dias, o nosso salário estava tão corroído, tão aviltado, tão pouco reconhecido era o trabalho médico no governo Joaquim Francisco que conseguimos um reajuste de cem por cento (100%!) para todos os médicos do Estado, no que foi o maior movimento médico já realizado no Brasil, em termos de reajuste salarial.

Não é arrogância, é orgulho de ter sido médico. É a verdade.

Estamos, novamente, vivendo os mesmos problemas, muito infelizmente.

Apesar de sermos profissionais em atividade no maior centro médico do Nordeste, temos o pior salário médico de todo o país.

Enquanto mensaleiros enriquecem com o dinheiro que deveria ser dos que trabalham, obras são superfaturadas, denúncias de corrupção agora são diárias e, na grande maioria das vezes, terminam impunes e esquecidas, enquanto tudo isto ocorre a sociedade não percebe, ou não quer perceber, a sórdida manobra dos que têm a força e dizem querer diminuir as diferenças, distribuir melhor as riquezas, quando na verdade reajustam os seus próprios salários de forma absolutamente desproporcional àquela que permitem aos demais.

De quem és, afinal, mãe gentil?

Das crianças famintas que esmolam em tuas esquinas?

Ou daqueles que te roubam e fomentam a tua miséria?

Juízes, governadores, senadores, deputados, secretários (inclusive o da Saúde), todos com reajustes totalmente diferenciados, sonhados por tantos outros, como nós médicos, que ficamos com reajustes ridículos, verdadeiramente grosseiros e desrespeitosos, como o que o Exmo.

Sr.

Presidente Lula concedeu ao funcionalismo federal há dois anos.

Como a Constituição reza que o funcionalismo tem direito a um reajuste anual, ele concedeu, sim, um aumento de, acreditem, zero vírgula um por cento (0,1%) !!!

Ou como o prefeito João Paulo, que concede 8,9% para o funcionalismo, mas concede para ele…….29%!!!! (e porque a sociedade protestou contra pretensos 49%, lembram?).

Será que isto é justo?

Será que este tipo de comportamento dignifica a história de uma pessoa?

Por que só os senhores querem ter o direito de sonhar?

De ter uma roupinha melhor?

Uma vida tranqüila?

A inflação que sentimos, os nossos sonhos e as nossas necessidades são iguais às dos senhores, excelências.

Conforme a revista Veja publicou recentemente, nos últimos quatro anos o judiciário se auto-reajustou em 230 por cento e o legislativo em 200 por cento.

Se eles são os donos da verdade e da justiça, por que não estender para todos os demais o que entendem como direito?

Não se pode fazer justiça com tamanha injustiça, com tanta diferença e desproporção entre os reajustes dos senhores e os nossos, médicos.

E, também, dos demais servidores, como os professores, odontólogos, garis, servidores que necessitam da sensibilidade dos senhores para perceber o abuso da inconstitucional diferença de tratamentos.

E encontram o injusto egoísmo dos que têm a força.

Em 1992, após 30 dias de aviso prévio, pedi demissão do governo do Estado.

E nunca me arrependi.

Mas gostaria de externar o meu repúdio ao descaso para com uma classe que, talvez muitos não saibam, sofre muito com cargas de trabalho e stress que estão em um nível bastante elevado, para compensar condições de trabalho muitas vezes inconcebíveis e salários mediocrizados pelo descaso dos que não reconhecem, ou não querem reconhecer, a importância de um povo com saúde.

Porque, queiramos ou não, se não morrermos fulminantemente, todos estaremos um dia, mais cedo ou mais tarde, aos cuidados de um médico.

E, se formos lúcidos, como vamos desejar que este médico seja uma pessoa de caráter, compreensivo e atencioso, satisfeito na sua vida e nos seus sonhos.

E externo o meu apoio ao movimento médico porque eu sei, com trinta anos de medicina, que ser médico é muito, muito mais importante, digno e necessário em uma sociedade democrática e justa, que dar ou receber propinas, superfaturar obras e serviços, desviar verbas, legislar em causa própria ou promover reajustes maravilhosos quando para os próprios bolsos.

Porque ser médico é viver o sofrimento do próximo, é trazer conforto e amenizar a dor, como fiz como anestesista do Restauração durante doze anos da minha vida, muitas vezes atravessando a madrugada. É viver continuamente o insalubre, o mau odor e até, em muitos casos, a imundície de alguns hospitais. É ter, enfim, sensibilidade para perceber a imundície ética e moral de tantos, talvez até da grande maioria, dos que nos governam. *Médico anestesista e fundador da Cooperativa de Anestisistas do Estado