Por Edílson Silva* No último domingo uma passeata na zona sul da capital paulista chamou a atenção do país.
Cerca de 6 mil pessoas marcharam do Ibirapuera a Congonhas, num movimento que está sendo denominado de “cansei”.
O centro do protesto era o acidente com o avião da TAM, que vitimou 199 pessoas.
A passeata, que iniciou com cerca de mil pessoas, seduziu milhares ao longo dos 4 quilômetros percorridos.
Pessoas desciam dos prédios, espontaneamente, para agregar-se à manifestação.
Muitas vestidas de preto, muitas com cartazes exigindo respeito aos cidadãos.
Alguns cartazes criticando duramente Renan Calheiros (“Fora Renan”), Lula (“Fora Lula”) e sua ministra do relaxa e goza, Marta Suplicy.
Dois dias após este evento, Lula desembarcou em Cuibá, capital do Mato Grosso, para anunciar os investimentos do PAC no Estado.
Um grupo o recebeu com vaias.
Durante a cerimônia, em sua fala oficial, o prefeito de Cuiabá disse que as vaias eram de um grupo inexpressivo.
O governador, também em sua fala oficial, reafirmou que as vaias eram de um pequeno grupo.
Por fim, Lula, em seu discurso, dedicou-se firmemente a rebater as vaias do “inexpressivo” grupo.
Os atestados de crescimento da impopularidade de Lula dos últimos sete dias somam-se às vaias no Maracanã, na abertura e no encerramento dos Jogos Pan-Americanos.
Somam-se também às vaias recebidas em Aracaju.
Escaldado e mal acostumado com claques que lhe hipnotizam e lhe massageiam o ego, depois das vaias de Cuibá o presidente Lula desmarcou a visita a 12 Estados, onde anunciaria os investimentos do PAC.
Lula percebeu que a onda de vaias pegou.
E mais, no fundo sabe que não se trata de um ou outro descontente, mas sim de um sentimento que vem tomando conta da sociedade.
A estratégia de Lula para rebater este sentimento é culpar as elites e rememorar seu passado de retirante nordestino, seu curso primário e sua formação de torneiro mecânico.
Quer assim garantir o povão ao seu lado com este discurso, levando-o a crer que a insatisfação crescente é preconceito de classe.
Acontece que no outro lado do seu discurso o presidente afirma que esta mesma elite nunca ganhou tanto dinheiro como no seu governo, e que, portanto, reclama de barriga cheia.
Em tom desafiador, Lula vem afirmando que ninguém neste país consegue colocar mais gente na rua do que ele.
A mesma “humildade” que Lula teve ao afirmar que a crise aérea lhe surpreendeu como uma metástase, pois não sabia da sua gravidade (de novo!), deveria ter diante da população descontente.
Collor desafiou o descontentamento da população e convocou os “seus” para saírem de verde e amarelo pelas ruas em seu apoio.
O povo saiu foi de preto, e elle acabou saindo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto.
Este movimento “cansei”, inegavelmente hegemonizado pelas classes médias, soma-se em essência às manifestações e demonstrações de cansaço com o neoliberalismo que vêm varrendo o país, como a greve dos professores da Rede Estadual de Pernambuco, os pedidos coletivos de demissão feito pelos médicos das emergências dos hospitais públicos, a longa greve dos professores contra Luciana Santos - prefeita de Olinda, a greve do Metrô de São Paulo neste momento, a longa greve dos professores contra o governo Jacques Wagner na Bahia, etc.
Tudo indica que o efeito anestesiador de Lula sobre os atores políticos vitais do povo saiu do prazo de validade.
Lula governa com o Bolsa-Família numa mão e com o Bolsa-Banqueiro na outra.
Quem está entre estes dois extremos sofre.
De gente que tem na carteira de trabalho assinada seu atestado de inclusão social, até as classes médias.
Seja pelo arrocho salarial, pelo desemprego, pelo endividamento generalizado dos aposentados e pensionistas, vítimas da agiotagem oficial, seja pela corrupção generalizada, pela violência sem limites nas grandes cidades, seja pela comoção com o acidente criminoso da TAM.
A insatisfação é geral.
Quando diz que ninguém coloca mais gente nas ruas do que ele, Lula ou está blefando ou quer ser surpreendido com outra metástase.
Hoje sua base social migrou em grande medida para o Nordeste/ Norte, para as cidades de porte menor e para os escritórios da Avenida Paulista.
Sua antiga base social, mobilizada, dos seus bons tempos, localizava-se nas grandes cidades, sobretudo no Sul e Sudeste, e nas classes médias urbanas, e estes, estão visivelmente em franca fase de divórcio com Lula.
As vaias podem ser apenas a ponta do iceberg. *Presidente do PSOL/PE, foi candidato ao Governo de Pernambuco em 2006 e escreve às sextas aqui no Blog.