Por Edílson Silva* Até o momento em que escrevo este artigo já são 192 mortes confirmadas.
Setores da imprensa falam que estes números podem avançar para 200 ou um pouco mais.
A tragédia do vôo 3054 da TAM já é a maior da aviação civil no Brasil. É revoltante ter que concluir que esta tragédia não foi um mero acidente.
Aliás, somente alguém com muita desonestidade intelectual, ou com sério comprometimento na sua capacidade de raciocínio, poderá tirar conclusões que passem por afirmar tratar-se de fatalidade.
O acidente com o avião da empresa GOL há dez meses, em que 155 pessoas foram mortas, não foi suficiente para que as autoridades competentes, no caso o governo Lula, tomassem medidas sérias para por fim ao caos aéreo vivido no país.
Desde aquele acidente, um segmento que atua no coração da operação da aviação civil vem denunciando as péssimas condições de operação: os sargentos da Aeronáutica, os chamados controladores, responsáveis diretos pelo controle do tráfego aéreo brasileiro.
No entanto, são exatamente estes controladores os únicos punidos até aqui pelo governo Lula.
Estão sendo criminalizados e punidos com transferências e prisões.
Enquanto isso, o Ministro da Defesa, o Presidente da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e o Presidente da Infraero, seguem a vida como se nada fosse com eles.
Pois é.
Agora, uma nova tragédia, superior à anterior.
E não é nada razoável duas tragédias desta magnitude em apenas 10 meses. É homicídio culposo.
E quem são os homicidas?
Em primeiro lugar os responsáveis pela administração dos aeroportos.
Quem viaja de avião pelo país sabe que os aeroportos estão se transformando em verdadeiros shoppings (Recife é uma prova inconteste) para agradar turistas e, tudo indica, empreiteiras.
Falta dinheiro para segurança elementar, para melhorar salários e contratação de mais controladores de tráfego aéreo, por exemplo, mas sobram recursos para toneladas de mármores, quilômetros quadrados de vidros escuros caríssimos e quadros e outras obras de arte, também caríssimos, para decorar saguões.
Grande parte dos recursos arrecadados nas taxas de embarque, que deveriam, em tese, servir para re-investimentos na infra-estrutura aeroportuária, são destinados ao famigerado superávit primário, aquele imposto pelos acordos com o FMI e hoje tratado como cláusula pétrea pela área econômica do governo.
Mas esta postura irresponsável do governo torna-se ainda mais criminosa quando tratamos do aeroporto de Congonhas.
Imaginem um aeroporto cravado entre os bairros da Boa Vista e São José, na área central do Recife. É de uma realidade semelhante que estamos falando.
E foi neste aeroporto que o governo permitiu operações de pousos e decolagens 50% acima da capacidade da sua infra-estrutura. É neste aeroporto que com muita freqüência aeronaves escorregam pela pista, dando “pequenos sustos” nos passageiros.
E foi exatamente neste aeroporto que o governo permitiu que suas pistas, cujas áreas de fuga são avenidas com tráfego intenso de automóveis e prédios residenciais e comerciais, fossem liberadas sem as ranhuras que auxiliam na frenagem das aeronaves em situação de chuva, o chamado grooving.
A liberação da pista do aeroporto de Congonhas foi feita no dia 31 de junho, dois dias após terem sido mudadas as regras que definem quem tem o poder de decidir sobre as condições de pouso nas pistas e também o volume do fluxo de tráfego aéreo em cada aeroporto.
Esta atribuição foi retirada no dia 29 de junho dos sargentos Controladores de Tráfego Aéreo, que são treinados, capacitados e experientes na função, e foram transferidas para o Centro de Gerenciamento de Navegação Aérea, inadequado para a função, mas subordinado diretamente ao gabinete do Comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Juniti Saito.
Ou seja, uma solução política para uma questão absolutamente técnica.
Em segundo lugar, cabe responsabilidade à empresa aérea, a TAM.
Um dos diretores da empresa admitiu publicamente que um dos reversores da aeronave estava inoperante desde o dia 13 de junho, ou seja, quatro dias antes do acidente.
Neste intervalo de tempo, a mesma aeronave teve problemas de pouso em Congonhas, num vôo vindo de Minas Gerais.
Segundo o Diretor da TAM, o reversor danificado é indispensável “apenas” em situações de muita chuva, como atesta o manual do fabricante do Airbus.
Mas será que quem escreveu o manual sabe que esta aeronave teria que fazer pousos na chuva, num aeroporto cravado no meio de um bairro populoso, com a pista curta, sem área de fuga e ainda por cima sem o grooving?
Acredito que o manual não admite este conjunto de situações como seguras.
A ANAC recentemente divulgou não serem suas as prerrogativas para interferir na malha aérea, ou seja, na quantidade de vôos praticados pelas empresas.
Submeteu-se, assim, à pressão das empresas, que afirmavam que se houvesse redução do número de vôos a conta ia cair no colo dos passageiros.
Trocando em miúdos, quem define a malha aérea não são critérios de segurança de vôo, de existência de infra-estrutura para tal, de tempo de aeronaves no solo para as inadiáveis manutenções preventivas e corretivas.
Quem define a malha aérea é o “deus mercado”, as posições das ações das empresas aéreas no mercado financeiro.
As ações da TAM caíram significativamente desde o acidente, mas segundo analistas do mercado de ações, esta baixa é natural e deverá acontecer uma recuperação gradativa nos próximos dias, afinal, há uma espécie de monopólio neste setor.
As famílias que perderam seus entes não terão recuperação gradual, mas uma resignação forçada.
A ANAC, como agência reguladora, em tese, deveria garantir que o interesse público não fosse subordinado a interesses privados.
Como não o fez, eis o resultado.
Tudo indica que a TAM achou que poderia negligenciar um pouco a segurança, contando que todas as condições externas para o vôo de suas aeronaves estariam dentro dos padrões mínimos de segurança exigidos.
Por outro lado, a Infraero e a Aeronáutica acharam que poderiam negligenciar um pouco na segurança também, pois contavam que as empresas aéreas não cometeriam o absurdo de permitir que aeronaves pesadas como um Airbus fossem funcionar sem um dos reversores, ainda mais em Congonhas. *Presidente do PSOL/PE, foi candidato ao Governo do Estado em 2006 e escreve às sextas para o Blog do Jamildo / JC