Por Edílson Silva Estado ausente e covarde versus jovens lutadores das periferias Escrevo este artigo tomado por profundo sentimento de indignação.
Preparei-me para escrever esta semana sobre a heróica luta contra a transposição do São Francisco, na beira do rio, em Cabrobó, ou sobre a luta contra a corrupção que começa a saltar os muros do Congresso Nacional.
Mas a dura realidade das nossas periferias mudou minha pauta.
No último dia 22 de junho, à noite, um grupo de jovens estava reunido na comunidade do Coque, periferia do Recife, em frente à casa de um deles, ouvindo música e orgulhosos pelo fato de terem conseguido implantar a Biblioteca Popular do Coque.
A biblioteca foi fruto de um esforço comunitário, de jovens pobres e abandonados pelo Estado.
Eles próprios reformaram o pequeno casebre que abriga os livros conseguidos com doações.
O objetivo desta biblioteca é levar, através da cultura e informação, um pouco de mudança na perspectiva de como a comunidade encara sua dura realidade, sobretudo a juventude, oprimida e violentada cotidianamente.
Contudo, a biblioteca é “apenas” uma das façanhas destes jovens do Coque, sobreviventes de uma terrível guerra urbana.
Estes verdadeiros heróis anônimos, pequeninos, tentam ser exemplos, e são mesmo provas vivas, de que jovens de comunidades periféricas não são necessariamente marginais, como estabelecido erroneamente pelo senso comum.
Muito pelo contrário.
São exemplos não só para suas comunidades, mas para toda a sociedade, que deveria reverenciá-los.
Pois bem, estes jovens, nesta noite de 22 de junho, foram abordados por duas viaturas da Polícia Militar, na frente de suas casas.
Segundo relatos, foram brutalmente espancados e os policiais entraram na casa de um deles e quebraram o que viram pela frente.
O crime cometido pelos jovens: serem pobres, negros, moradores de uma comunidade estigmatizada e sabedores de seus mínimos direitos.
Um dos jovens, o dono da casa, informou aos policiais que eles não poderiam entrar na casa sem ordem judicial, o que gerou uma fúria insana por parte do “comandante da operação”.
O jovem conhecedor de seus direitos, junto com os demais, foi espancado na frente de sua mãe, desesperada.
Após o espancamento, foram levados para destino incerto.
Esses jovens são articulados com entidades e pessoas “influentes” atentas aos problemas das periferias, que foram imediatamente informadas do ocorrido e passaram a procurá-los.
Foram encontrados numa das delegacias próximas do Centro do Recife.
O jovem sabido demais teve os dois brincos arrancados a sangue frio pelos policiais e seu queixo foi chutado.
Ao perceberem que os jovens não eram tão desamparados assim, os agentes do Estado providenciaram um suposto flagrante de porte de drogas, desacato e agressão à autoridade, para incriminá-los e assim negociar o silêncio e a impunidade.
Os jovens estão assustados e cautelosos, pois sabem que podem ser vítimas fáceis e fatais desta parcela criminosa da polícia.
Conversei com um dos jovens, que tem relações com o PSOL, e lhe pedi que não desistisse, que fizesse deste triste episódio um incentivo a mais para continuar com sua luta na comunidade, para buscar mais livros para a biblioteca, para continuar sendo um exemplo vivo de perseverança e de esperança naquela comunidade.
Disse que os covardes que lhes espancaram foram os mesmos que açoitaram Jesus Cristo, que assassinaram Zumbi, que condenaram Frei Caneca e torturaram Gregório Bezerra, e que, portanto, ele estava bem acompanhado.
Disse a ele também que a manutenção deste comportamento de setores da Polícia Militar é de responsabilidade do governador Eduardo Campos, que desmoralizou as entidades de defesa dos direitos humanos e inclusive o Ministério Público, causando um retrocesso histórico na sociedade ao nomear o oficial Meira para um alto posto na corporação, premiando a face truculenta e descontrolada da Polícia Militar e liberando, indiretamente, os subordinados para imitar o chefe.
O Estado está ausente nesta e em outras comunidades na forma em que deveria: educação, saúde, habitação, saneamento, cultura e lazer.
Mas está presente na forma da agressão às mínimas condições de dignidade da população, através de ações como estas sofridas por estes jovens. É por isso que defendemos no terreno estratégico a desmilitarização e desconstitucionalização das polícias, único caminho capaz de viabilizar a edificação de forças policiais alicerçadas nos direitos humanos, representativas das populações-alvo do ato de policiar, responsáveis e responsivas perante a sociedade, portanto absolutamente submetidas ao controle social.
Estas idéias são defendidas hoje por renomados especialistas em segurança pública e também por grandes contingentes de lideranças das próprias polícias militares, que sabem que este modelo, herdado do período da ditadura militar, está falido.
PS: Edilson Silva é presidente do PSOL/PE, foi candidato ao governo do Estado em 2006 e escreve às sextas-feiras para o Blog do Jamildo