Nunca na história deste País um presidente falou tanto: Luiz Inácio Lula da Silva faz um discurso a cada dia útil – e são raros os que duram menos de 15 minutos. “Eu não ia falar, mas eu vi o microfone aqui e falei: ‘deixa eu dar uma palavrinha’”, sempre se justifica.

Foram 1.204 pronunciamentos em quatro anos do primeiro mandato, média de 300 por ano.

E mais 160 nos primeiros cinco meses deste ano.

Lula já passou mais de três centenas de horas ao microfone — algo como um disco tocando por 14 dias, sem interrupção.

A conta se restringe aos pronunciamentos oficiais e não inclui entrevistas e nem os discursos da campanha de 2006.

O conjunto desta obra falada apresenta uma constante: a palavra do presidente substitui a ação do governo.

Por sete vezes nos últimos seis meses, por exemplo, Lula estabeleceu prazos para a “solução definitiva” do apagão aéreo.

Em abril, no meio da crise, resolveu afagar os amotinados sargentos do controle de vôo: “(mandei) Dizer o seguinte: ‘O governo não vai punir ninguém’.

Como o governo não vai punir mesmo, até porque longe de mim punir alguém”, contou, na época.

Ao perceber a crise militar que produzira com a quebra de hierarquia na Aeronáutica, passou a condená-los e a elogiar os chefes da caserna.

Depois, mandou afastar os líderes do motim.

O repúdio aos controladores de vôo, que antes afagava, foi em tom similar ao usado para se distanciar dos “companheiros” envolvidos em escândalos – como o mensalão e a compra de um dossiê contra tucanos na campanha eleitoral: elogiou-os e, em seguida, se disse “traído”, “apunhalado” por “aloprados”.

Da retórica politicamente virtuosa emerge um estilo ziguezagueante de governar, por ele recentemente justificado de uma forma paradoxal: “Somos uma espécie de metamorfose ambulante, mudando sempre, para melhorar sempre.

O que posso garantir é que eu continuo, hoje, o mesmo Lula de janeiro de 2003”.

REFORMAS “Lula não tem compromisso com nada e nem com ninguém.

Diz uma coisa hoje e pode amanhã dizer o contrário, dependendo do público”, comenta o cientista político Gildo Marçal Brandão, da Universidade de São Paulo. “Lula é pura retórica.

Não faz o que promete e não vai fazer, mas o seu discurso se mostra eficaz no público e isso impressiona.” No primeiro mandato, o presidente fez 121 discursos com promessas de “reformas” – um a cada 10 dias úteis.

As propostas governamentais para tais mudanças permanecem desconhecidas no Congresso.

Sobre reforma da Previdência, o presidente fez 69 discursos, média de três por semana no primeiro mandato.

Em fevereiro, depois de 1.502 dias no poder, resolveu criar um “fórum” para debatê-la.

Antes de a discussão começar, Lula semeou incerteza sobre o resultado: “Se der certo, alguma coisa vamos mandar para o Congresso”.

Outra reforma, a do sistema de tributos, simplesmente foi aniquilada semanas atrás: “A que estava prevista no Congresso já não é mais a reforma tributária que nos interessa”, anunciou.

Em tese, ainda deseja uma reforma política.

Pelo menos não anulou os 33 discursos feitos nos últimos 53 meses, sobre a urgência na reorganização dos partidos e das eleições.

O pendor reformista de Lula faz historiadores como Marco Antônio Villa, da Universidade de Campinas, lembrar-se do ex-presidente João Goulart, que governou o país de setembro de 1961 até o golpe militar de 1964. “É o mesmo jogo do Jango com as suas ‘reformas de base’, que nunca foram detalhadas”, comenta Villa. (Da Editoria de Política do JC)