Por Gustavo Krause O JC prestou um grande serviço à sociedade pernambucana.

A série de artigos sobre a invasão do crack tem a marca do profissionalismo de uma equipe liderada pela repórter Ciara Carvalho de reconhecida competência, mas que não imaginava tão destemida.

Destemor e compromisso público, exemplos de que nós, cidadãos e autoridades, estamos carecendo (uma ressalva: este artigo está assinado por um cidadão, impactado, assustado, sem qualquer conotação político-partidária e disposto a participar de uma luta coletiva).

Crack, palavra de origem inglesa transplantada do turfe para qualificar exímios jogadores de futebol ou onomatopéia para significar ruído de desmoronamento e de crise econômica, é, também, devastador subproduto da cocaína, uma droga da pesada que, a partir da consistente reportagem passa a ser sinônimo de tragédia social.

Com efeito, a reportagem é um trabalho jornalístico completo.

Investigativo.

Ocupa-se de todos os ângulos da epidemia.

Enxerga fundo o que está na superfície do cotidiano.

Clama pela assunção de responsabilidades.

E mais: revela três aspectos que agravam a dimensão do problema exposto.

O primeiro.

A facilidade com que a repórter penetrou nas entranhas do submundo da marginalidade.

Ciara viu tudo.

Fotografou.

Comprou a droga.

Entrevistou os elos que compõem a cadeia do crime.

Mostrou que o teatro da delinqüência e todos os seus atores estão juntos de nós e se voltam contra pacatas pessoas sob as mais diversas formas de violência.

Em síntese: expôs uma realidade que é fácil de ver e difícil de combater.

O segundo.

A falência do sistema prisional.

Ineficiente e corrupto.

O que explica a incapacidade de combater.

O sistema prisional abriga o criminoso e lhe oferece à custa do contribuinte: casa, comida, roupa lavada, sexo e celular.

E o que é mais grave e irônico: oferece segurança para que o delinqüente, dentro dos presídios, pratique sossegadamente a ação criminosa.

Em outras palavras: a distorção é de tal ordem que o Estado, por meio dos seus agentes venais, é parceiro no crime.

Como bem disse a repórter: “O escritório do tráfico de crack em Pernambuco tem endereço certo.

Funciona dentro dos presídios e penitenciárias do Estado”.

O terceiro.

O tráfico é rentabilíssimo e o crack, uma droga “democrática”: está ao alcance de pobres, remediados e ricos proporcionando ao usuário o “efeito fissura” que nem maconha, nem a cocaína oferecem.

O negócio do crack é tão lucrativo que o dinheiro das drogas concorrentes se transforma em mixaria.

O ex-presidiário entrevistado diz o seguinte: “Você compra 5 gramas de crack por 150 reais.

Consegue vender por 500 reais”.

Ou seja, o crime compensa.

Uma lista enorme de crimes é praticada a partir do cotejo cálculo/risco econômico e da relação custo/benéfico.

Se há retorno econômico compensador e certeza da impunidade, o crime vai acontecer.

Na sonegação, no estelionato, nos crimes do colarinho branco, nos crimes contra a vida, no tráfico de drogas etc… tudo funciona com o mesmo critério dos negócios: se vale a pena, o negócio se realiza.

Só que no caso das drogas milhares de vítimas ficam pelo caminho.

E agora?

A experiência ensina que os jornais têm dois destinos: embrulhar peixe ou mudar a história.

Neste caso, sua nobre missão é mudar a história.

Não pode cair no esquecimento tudo que chegou ao conhecimento público.

Não se trata de um escândalo midiático que esmaece frente à seqüência rotineira dos novos escândalos.

Trata-se da revelação de grave doença que acomete o organismo social; trata-se de ameaça concreta ao que resta de segurança e paz social.

A expectativa é que, de um lado, as autoridades, cientes do problema, cumpram com seus deveres e, de outra parte, a sociedade não somente cobre, como se mobilize no apoio às medidas concretas de combate ao crime hediondo do tráfico de drogas.