Por Sérgio Montenegro Filho No início da semana, em comentário publicado no JC, eu lembrava que, em 2003, o senador Tião Viana (PT-AC) propôs a extinção do Conselho de Ética do Senado, por considerar o órgão inócuo.
O petista - que cobrava, sem sucesso, a punição do poderoso senador baiano Antônio Carlos Magalhães, acusado de grampear telefones de adversários políticos - entendia que aquele colegiado tinha virado um grande forno a lenha.
Tinha toda razão.
O mesmo, inclusive, pode-se dizer do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, casa geminada ao Senado, que ano passado protagonizou a maior distribuição de pizzas já vista no Planalto, para comemorar a absolvição em série dos deputados mensaleiros.
Mas, como tudo no Senado, o Conselho de Ética é uma pizzaria de luxo.
Num balanço rápido dos seus 11 anos de funcionamento, o órgão analisou 33 denúncias contra senadores, e apenas uma resultou em um processo de cassação.
Em 2000, acusado de participação no esquema de desvio de dinheiro das obras do TRT-SP, Luiz Estevão (PMDB-DF) entrou para a história como o único senador a perder o mandato por quebra de decoro parlamentar.
As demais denúncias terminaram, todas, no fundo de alguma gaveta.
Pelo que se vê até agora, ninguém mais tem dúvida de que o processo aberto contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) - acusado de envolvimento suspeito com empreiteiros - vai se juntar aos outros 32 já engavetados pelo corporativo conselho.
Se alguém ainda cogita a possibilidade de punição, deve, cautelosamente, observar o comportamento dos integrantes do colegiado.
Começemos pelo posto mais importante, a relatoria.
Senador veterano, ligadíssimo ao grupo político do ex-presidente José Sarney e corporativista de carteirinha, Epitácio Cafeteira (PTB-MA) ocupava o cargo até alguns dias atrás.
Ao assumir, nem esperou a análise dos documentos apresentados por Renan Calheiros pelos técnicos da Polícia Federal para se manifestar em favor da absolvição do colega.
Já foi jogando fermento na massa e acendendo o forno, ao defender que não havia provas que culpassem o presidente do Senado.
Experiente, Cafeteira sabia estar correndo o risco de terminar a história no papel do cozinheiro que tenta, em vão, inovar o cardápio com uma velha receita.
Mesmo assim, ignorou os pedidos de oposicionistas integrantes do conselho para que revisse seu relatório, e reagiu aos insistentes pedidos de adiamento da votação do parecer para que esperasse o resultado da perícia da PF nos documentos apresentados por Renan.
Pressionado, ameaçou até mesmo deixar a relatoria, mas recuou depois de um telefonema da própria esposa, Maria Isabel, que lhe pediu para ficar.
Mas no fim de semana passado, jogou a toalha: passou mal e pediu uma providencial licença de dez dias para tratamento de saúde.
Passemos ao pizzaiolo principal: o próprio Renan.
Foi ele quem ligou - ou deu a ordem a aliados para ligarem para dona Maria Isabel - clamando por sua interferência.
O presidente do Senado, aliás, chamou a atenção ao longo da semana por mudar sua versão dos fatos mais de uma vez.
E sem prejuízos.
Afinal, diz a norma jurídica: na dúvida, pró-réu.
E Renan é, sem dúvida, o réu mais bem protegido de que se tem notícia.
Tem diversos advogados de defesa, seus próprios colegas senadores, com uma vontade incontida - e corporativista - de absolvê-lo o mais depressa possível, para que a pizza seja mais uma a cair no esquecimento.
Um terceiro e último personagem da tratoria é o presidente do Conselho de Ética, senador Sibá Machado (PT-AC).
Cumprindo a difícil função de fazer parecer que o caso está sendo rigorosamente apurado - e encobrir a real disposição do Palácio do Planalto de ver seu aliado inocentado rapidamente - ele avocou para si a relatoria do processo temporariamente, para que os trabalhos continuassem.
Assim, pôde ter acesso a todos os documentos e anotações de Cafeteira.
Mas prometeu anunciar ainda esta semana um substituto definitivo para o relator.
Junte-se à receita outros personagens de menor importância, acrescente-se alguns documentos suspeitos, relegados a segundo plano, e adicione-se uma pitada de falta de interesse em dar prosseguimento às investigações.
Está pronta mais uma pizza à moda do Congresso.
Daquelas que os parlamentares adoram, mas que o cidadão comum está ficando cada vez mais enjoado até do cheiro.