Em entrevista para o Em Questão, Jorge Hage falou sobre as ações da Controladoria Geral da União (CGU) na Operação Navalha, as formas de prevenção e de combate à corrupção e defendeu a convergência de esforços entre Executivo, Legislativo e Judiciário para estancar os ralos do suborno.

Em Questão - Quais foram as ações da CGU no caso da Operação Navalha, realizada pela Polícia Federal?

Jorge Hage - Começamos a atuar junto com a Polícia Federal em trabalhos de inteligência, na fase preliminar, no segundo semestre de 2006 e, desde o início deste ano, na análise das escutas telefônicas, após a autorização judicial para que a PF estendesse a quebra de sigilo à CGU.

Nessa fase, o trabalho consistia em rastrear, a partir de cada trecho gravado, a existência, efetiva ou não, dos contratos, ou das obras referidos pelos interlocutores, bem como dos agentes públicos mencionados, para confirmar ou não, a possibilidade de ser verdadeira a referência feita nos diálogos.

EQ - O que foi extraído do trabalho e quais as ações que estão sendo desenvolvidas pela CGU?

JH - Naquela primeira etapa, o nosso setor de inteligência produzia relatórios parciais em torno de cada fato, que eram enviados à inteligência da PF.

Já após a Operação, entraram em campo também as nossas áreas de auditoria e de correição e o trabalho passou a se desenvolver em várias frentes.

A primeira consiste em apoiar a PF na análise de toda a documentação apreendida.

A segunda é o recolhimento dos contratos existentes nos órgãos públicos mencionados, precedido do rastreamento nos sistemas corporativos, como o Siasg (Sistema de Administração de Serviços Gerais) e no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal), e pela identificação de contratos feitos por estados e municípios com recursos federais.

Esta parte ainda está em curso.

EQ - O País recentemente conviveu com a eclosão de escândalos semelhantes.

O senhor identifica alguma diferença entre os anteriores e esse?

JH - Ninguém é ingênuo a ponto de ignorar que as fraudes em licitações, as propinas e os demais crimes revelados pela Operação Navalha sempre existiram.

O difícil era obter a prova.

E a novidade é que desta vez foram conseguidas gravações, identificando os casos concretos, com nome e sobrenome.

Por isso, a repercussão tão grande.

E, partir dela, tenho realmente esperanças de que as coisas possam mudar.

Com a pressão da sociedade, talvez agora saia a decantada reforma política, ou, pelo menos, a mudança das regras de financiamento de campanhas e de elaboração do orçamento, duas questões que estão na raiz desse tipo de corrupção.

EQ - No âmbito da CGU, o que tem sido feito para prevenir e combater a corrupção?

JH - Tudo o que está ao nosso alcance.

O aperfeiçoamento constante dos instrumentos de controle, a maior articulação entre os diversos órgãos de defesa do Estado (CGU, PF, COAF, Ministério Público, TCU, SRFB etc.), a fiscalização do dinheiro federal transferido para Estados e Municípios, a abertura das contas públicas no Portal da Transparência, lançado em novembro de 2004, que é um canal pelo qual o cidadão pode acompanhar a execução financeira de todas as ações e programas do governo federal e que só tem paralelo em poucos países do mundo.

Além disso, abrimos as Páginas da Transparência Pública de cada ministério, autarquia e estatal (já são 86 no ar), que apresentam informações sobre execução orçamentária, as licitações, os contratos e os convênios, as diárias e passagens pagas.

Mas não é só.

Em outra área de atuação, criamos um Sistema de Corregedorias, com uma para cada ministério, que já começou a mudar a cultura de impu nidade que prevalecia também na Administração.

Hoje, o Poder Executivo não se limita a culpar o Judiciário pela impunidade.

Ao contrário, e nós tratamos de aplicar as penalidades que só dependem de nós, que são as sanções administrativas.

Por exemplo, desde 2003 a maio de 2007 aplicamos 1.224 demissões, 92 destituições de cargos em comissão e 82 cassações de aposentadorias, a maioria delas por valimento do cargo e por improbidade administrativa. É claro que, além disso, enviamos tudo ao Ministério Público, para as ações judiciais, e ao TCU, para as condenações que lhe cabem, como por exemplo, para devolução dos dinheiros desviados.

EQ - Recentemente, ao receber uma comissão suprapartidária o senhor falou sobre projetos de iniciativa do Executivo para ajudar no combate à corrupção.

Quais são esses projetos e qual a importância deles em contribuição ao tema?

JH - Eu e os parlamentares que aqui estiveram encontramos uma grande área de convergência.

Retomamos uma conversa iniciada na CPI das Ambulâncias sobre alguns projetos do governo para aprimorar o controle das transferências voluntárias.

O governo, através da CGU, e dos ministérios do Planejamento e da Fazenda, elaborou um decreto que inclui medidas de aprimoramento que vão desde a análise de projetos apresentados até a criação de parâmetros envolvendo especificações técnicas para facilitar a fiscalização dos contratos.

Há, ainda, a implantação de um portal de acompanhamento de convênios, no Ministério do Planejamento.

No caso de municípios com mais de 500 mil habitantes e dos estados, a proposta é incluí-los no Siafi, o que facilitará a atividade da auditoria.

Também há medidas que já foram incluídas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) deste ano, entre as quais destaco a proibição do pagamento em espécie (dinheiro), um do s grandes ralos que a CGU encontra quando fiscaliza municípios.

EQ - No encontro com os parlamentares, houve discussão sobre os projetos que se encontram em tramitação no Congresso?

JH - Sim.

Há vários projetos do Executivo nessa área: o que tipifica como crime o enriquecimento ilícito de agentes públicos, ou seja, servidores e dirigentes que apresentem crescimento patrimonial inexplicável, e o projeto que regulamenta situações de conflitos de interesses privados com o público, o que tem tudo a ver com os problemas revelados atualmente pela Operação Navalha.

Outra proposta importante, já aprovada pela Câmara e que está no Senado, altera a Lei 8.666/93, de Licitações.

EQ - Existe alguma norma constitucional que precisa ser modificada para fortalecer os mecanismos de combate à corrupção?

JH - É fundamental que se mexa na questão do financiamento de campanhas.

Enquanto não resolvermos isto, não teremos solução completa para a corrupção.

Isso é da maior importância porque significa tocar na raiz do problema, que tem em seu tronco o financiamento privado por empreiteiras, bancos e outros tipos de empresa. É evidente que a lógica da empresa é o lucro e se ela destina dinheiro para a eleição de alguém é óbvio que exigirá algo em troca.

EQ - O senhor sugere, então, o financiamento público das campanhas eleitorais?

JH - Sou a favor do financiamento público exclusivo de campanhas e esta é uma posição pessoal minha, não necessariamente a posição do governo.

Sei das dificuldades e estou ciente que só funcionaria bem se fosse casado com a eleição feita por listas partidárias ou com o voto distrital misto talvez.

Conheço os prós e os contras, mas colocando tudo na balança, não vejo solução mais razoável.

Claro que não é só isso.

Há todo um conjunto de medidas, algumas das quais mencionei nesta entrevista, que são as que o Executivo já fez ou vem fazendo, bem como outras que dependem de alterações legais.

Não existe panacéia nem milagres nessa matéria.

O que se impõe é persistir no trabalho sistemático e sem tréguas que vem sendo feito.

Indignações espasmódicas e passageiras nada resolvem.

PS: Ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), o baiano Jorge Hage Sobrinho, 69 anos, é bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Administração Pública pela University of Southern California, Los Angeles, e mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB). É Juiz de Direito aposentado e atua na CGU desde 2003; foi também deputado estadual e deputado federal constituinte.