Napa Valley?
Bordeaux?
Não, mas é a região do vinho Por Andrew Downie (Tradução: Cynthia Vaz) Rio de Janeiro, 14 de maio – Quando o vinicultor português João Santos viu pela primeira vez o novo vinhedo de sua empresa no Brasil, ficou desanimado.
Como poderia produzir um vinho parecido com o produzido na Europa?
O problema eram as palmeiras. “Vinho e coco,” disse o senhor Santos, diretor da vinícola Dão Sul, com uma risadinha, durante a entrevista por telefone da Fazenda Planaltino, no nordeste do Brasil. “Uma coisa é completamente diferente da outra.
Os coqueiros são da praia.
O vinho vem da França, da Itália, da Espanha, onde não há coqueiros.
Produzir vinho aqui não tem o menor sentido.” Hoje, quatro anos após a Dão Sul adquirir terras com algumas vinhas no Brasil semiárido ao sul do equador, tem muito sentido.
Graças ao trabalho árduo, à melhor tecnologia e a centenas de quilômetros de irrigação vindos do rio São Francisco, a Dão Sul solucionou o enigma do coco e produziu o vinho tropical mais bem sucedido até agora.
Ao realizar tal feito, deu novo impulso à crescente multidão de vinhos “da nova latitude”, aqueles que são produzidos fora do tradicional centro da região vinícola.
Hoje os produtores como Dão Sul, juntamente com empresários da indústria de bebidas, como LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, Pernod Ricard e Veuve Clicquot Ponsardin, estão investindo em países em desenvolvimento, onde há uma classe média crescente se tornando amante do vinho.
Essas empresas estão desafiando um dogma de séculos que diz que a viticultura tem a ver com o solo, isto é, com a crença de que o vinho reflita a região onde as uvas são produzidas, além da temperatura da região. “Por anos delimitamos duas faixas no mundo, aproximadamente entre as latitudes 30 e 50, por julgá-las propícias à viticultura,” escreveu Jancis Robinson, conhecida enóloga britânica, sobre o novo fenômeno em sua página na Internet. “Mas tudo está mudando muito rapidamente.
Avanços nas técnicas de refrigeração e irrigação, isso para não falar de um controle muito maior onde e como as vinhas crescem, tornaram vastas áreas de plantio acessíveis às videiras, em lugares antes tidos como impróprios para a viticultura.” As boas uvas se desenvolvem no calor e na luz do sol, que são abundantes no nordeste do Brasil.
Geralmente esses climas tropicais são úmidos, mas a água para a videira de Dão Sul vem do rio, e não de chuvaradas devastadoras.
O terreno é plano e árido – perfeito para palmeiras.
E é um contraste total com as colinas das regiões vinícolas em lugares como o sudoeste da França ou Napa Valley no nordeste da Califórnia, que estão muito acima ou abaixo do Equador para serem consideradas regiões excelentes para se produzir vinho.
Mas agora audaciosos fabricantes de vinho estão se aventurando em países como o Brasil.
Uma companhia subsidiária da Dão Sul, a Vinibrasil, plantou centenas de fileiras de vinhas.
Na Tailândia, a Siam Winery colocou vinhedos flutuando sobre o Delta do Chao Phraya, a 13 graus norte.
E até na Inglaterra, verões mais quentes e longos deram confiança aos negociantes de vinho para produzir uma grande variedade de vinhos brancos e espumantes.
Os fabricantes de vinho da nova latitude ainda são relativamente desconhecidos se comparados aos tradicionais e poderosos da França, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal, e também ficam atrás até mesmo dos produtores do Novo Mundo, isto é, da Argentina, Austrália, Chile, Nova Zelândia, África do Sul e Estados Unidos.
A China e o Brasil, os dois maiores produtores entre os países da nova safra de vinhos, produzem apenas 6,7 milhões de hectolitros, ou seja, 2,4% da produção anual de vinho, de acordo com os números da International Wine and Spirit Record, empresa de pesquisa sediada em Londres.
Mesmo assim, o vinho está se tornando mais popular em países como o Brasil, a China e a Índia por conta da crescente classe média e da publicidade sobre seus benefícios à saúde.
Os produtores dos três países estão apostando no crescimento desse mercado, e há números que o comprovam.
A empresa de pesquisa de Londres calcula que até 2011 o consumo de vinho irá subir 12% no Brasil, 39% na China e 82% na Índia.
E os investidores já perceberam.
Juntamente com a decisão da Dão Sul de apostar no Brasil, a Pernod Ricard possui marcas no Brasil, na Geórgia e na Índia; a LVMH investiu pesado no Chandon, o espumante premiado do Brasil; e o fabricante do Champanhe Francês Veuve Clicquot Ponsardin é sócio há 11 anos da Grover Vineyards, uma das maiores produtoras da Índia. “Primeiro eles estabelecem uma base de operações para poder vender no mercado interno,” diz Joe W.
Ciatti, o fundador da Joseph W.
Ciatti Cmpany baseada na California, a maior corretora de vinho do mundo. “Aí podem pensar em exportar.
Tudo hoje é global, então é lá que estão as oportunidades e os grandes produtores não têm medo.
Irão aonde estiver a oportunidade.” Ciatti e outros produtores americanos dizem que os produrtores na nova latitude ainda são tão pequenos que não aparecem nas telas dos radares americanos.
Os produtores do Novo Mundo temem mais os do Velho Mundo e vice-versa, diz Ciatti.
Ambos dominam a produção, com 62% do vinho do mundo vindos de cinco grandes produtores europeus e 26% vindos de países do Novo Mundo, segundo a Organização Internacional de Videira e Vinho, com sede em Paris.
Mas enquanto os dois maiores produtores competem por uma fatia de um mercado que hoje vale US$ 91,6 bilhões, de acordo com os dados da organização, a Vinibrasil está trabalhando na surdina nesse deserto abafado ao sul do equador.
A decisão da empresa de investir na América do Sul foi um aposta baseada na longa experiência do Brasil em plantio de uvas e produção de vinho.
Os imigrantes de Portugal do século XVI e mais tarde da Itália, França e Alemanha, estabeleceram vinhedos no sul do país.
A Dão Sul acreditava que poderia produzir vinhos de qualidade superior semelhantes a 2.000 km ao norte.
Em 2003, abocanhou a primeira parte do que veio a ser quase 5.000 acres ao longo do rio São Francisco.
Então gastou mais de US$ 4 milhões na compra de maquinaria de última geração.
Os 25 tintos, brancos e espumantes que ela produz hoje representam 15% da produção da empresa.
A decisão de investir no Brasil foi baseada em diversos fatores, incluindo a terra e a mão-de-obra baratas e as avançadas técnicas de refrigeração.
Uma vantagem importante que o Brasil compartilha com muitos países produtores da nova latitude é ter sol o ano todo.
A região tem 12 horas de luz do sol por dia, e contrastando com Bordeaux, que só tem 12 horas de sol por dia durante o verão, não há nuvens no céu em 300 dias por ano.
Os produtores podem colher durante o ano todo e assim cortar sensivelmente os custos de produção. “Temos cerca de 50 lotes com quatro hectares cada e uvas cultivadas o tempo todo,” diz o sr.
Santos. “Isto quer dizer que colhemos uvas duas ou três vezes em janeiro, duas ou três vezes em fevereiro, duas ou três vezes em março e assim por diante. É um ciclo contínuo.” A sra.
Robinson diz que os vinhos da nova latitude não apresentam uma ameaça aos melhores que Bordeaux ou mesmo a Califórnia do Norte podem oferecer.
Mas reconheceu que a maioria dos países emergentes estão nos mesmo estágio de desenvolvimento que as regiões vinícolas francesas estavam há séculos. “Eu ainda acho inacreditável que vinhos da nova latitude poderão ser realmente bons,” escreveu a Sra.
Robinson na sua página na Internet. “Mas isso era dito a respeito dos vinhos do Novo Mundo há pouco tempo.” (Publicado no New York Times em 15 de maio de 2007.)