Veja a íntegra do discurso. “Senhor Presidente, Senhoras Senadores, Senhores Senadores, Aqui mesmo nesta tribuna já tive a oportunidade de elogiar o trabalho desenvolvido pela Polícia Federal, que em diversas operações exitosas por este País afora tem enfrentado o crime.

Mas no mesmo tom que destaquei esse trabalho quero fazer um alerta para os excessos cometidos.

Essas operações se transformaram num verdadeiro show, no qual o espetáculo vem substituindo, de forma preocupante, o respeito ao Estado de Direito.

O que antes era considerado excesso de determinado delegado passou a ser regra e não podemos aceitar essa exacerbação de autoritarismo, que nos lembra aquela parábola do vizinho.

Todos conhecem a história: num dia levaram o meu vizinho judeu e eu não me incomodei, no outro o vizinho comunista e não reagi, no dia seguinte foi a vez do meu vizinho católico, continuei calado; no quarto dia vieram e me levaram, mas já não havia ninguém para reclamar.

Os excessos são diversos, como o “vazamento” da quebra de sigilo fiscal e bancário e telefônico sem o devido respaldo, a apreensão de materiais que não têm nada a ver com a investigação em curso, a colocação de algemas em acusados que não oferecem resistência ou ameaça.

Como afirmou a Ordem dos Advogados do Brasil, ninguém está acima da lei, nem a polícia, nem a magistratura, nem a advocacia.

Todos devem cumprir o ordenamento legal.

Este alerta serve também para o Magistrado que autoriza essas ações.

E porque não dizer que serve de alerta também para este Parlamento, no trabalho desenvolvido pelas Comissões Parlamentares de Inquérito.

Se esta avaliação não for feita, se não questionarmos o erros, vamos num crescendo que coloca em risco as instituições democráticas, criando um verdadeiro Estado Policial.

Contra esse comportamento espetaculoso se levantaram algumas personalidades e instituições importantes da República, como a OAB, o Ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, e o Advogado José Paulo Cavalcanti Filho, que ocupou a Secretária-Geral do Ministério da Justiça durante o Governo José Sarney.

Em recente entrevista ao jornal “Gazeta Mercantil”, o Ministro Gilmar Mendes criticou o que ele chamou, de forma apropriada e pertinente, de “modelo espetacular de ação policial”.

O Ministro, com um profundo bom senso, afirmou que no Estado de Direito não devemos estimular essa atuação espetaculosa.

E o vice-presidente do Supremo Tribunal alertou, abre aspas: “Tenho sérias reservas quanto a essas ações policiais, televisadas, anunciadas, e tenho realmente sérias dúvidas sobre a sua legitimidade constitucional”.

Fecha aspas.

Senhor Presidente, não pretendo aqui entrar no mérito de nenhuma das dezenas de operações realizadas por todo o País, pois fulanizar essa discussão seria tirar o foco do principal, que é o respeito ao Estado de Direito, o respeito às normas democráticas que lutamos tanto para proteger e resgatar durante dois longos períodos de autoritarismo no século passado.

Muitos especialistas afirmam que as Polícias são a garantia do efetivo cumprimento das normas e respeito ao Estado democrático.

No caso da Polícia Federal, isso ganha uma outra dimensão, pois ela, diferentemente das outras forças, exerce com exclusividade o papel de Polícia Judiciária da União.

Todos nós já assistimos episódios semelhantes acontecerem aqui mesmo no Brasil e em diversos países e o final dessa história todos conhecem.

O autoritarismo sempre nos remete ao Regime de Exceção, com a quebra de todas as garantias individuais.

Nesses tempos em que a diversidade política é trocada por uma cooptação sem precedentes, por uma unanimidade quase perniciosa em torno do atual Governo, quem vai proteger os direitos fundamentais?

Quem vai vigiar os vigilantes?

Senhor Presidente, em artigo publicado esta semana na “Folha de Pernambuco”, intitulado “Algemas do autoritarismo”, o jurista José Paulo Cavalcanti Filho vai mais longe e critica aspectos específicos da atuação da Polícia Federal, questionamentos com os quais concordo.

Este é o caso do uso das algemas.

O regulamento da PF é claro sobre o uso deste equipamento, para o qual só existem duas hipóteses, que são o risco de haver fuga ou quando o acusado colocar em risco a integridade física dos agentes policiais.

Na maioria dos casos apresentados no horário nobre das TVs, esses riscos não existem.

Por quê então as algemas?

Cada vez me convenço mais que se trata de uma forma deliberada de humilhar, de passar a imagem para a opinião pública que o atual Governo também prende ricos e poderosos.

Em síntese, uma demonstração de abuso de poder.

O objetivo talvez seja alimentar o discurso do Presidente da República sempre iniciado com um “nunca antes na história do Brasil”.

Talvez o Presidente, numa dessas suas viagens pelo País afora, queira reforçar o improviso afirmando que a Polícia Federal no seu Governo prende grandes empresários, juízes, desembargadores, profissionais liberais.

E o que o Presidente da República e a própria Polícia Federal terão a dizer da não-conclusão, até hoje, do caso de Waldomiro Diniz, ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil da Presidência da República?

Waldomiro nunca foi algemado ou preso, mesmo tendo sido flagrado com a boca na botija.

O mesmo se aplica ao Caso do Dossiê, montado pelos aloprados do PT em pleno período eleitoral do ano passado, marcado por acusações graves quanto aos procedimentos de investigação adotados pela Polícia Federal, que envolveram desde a coação de testemunha até a ameaça de demissão do delegado que, após semanas, divulgou as fotos do dinheiro.

Interessante notar que a prática ilegal do vazamento de informações, em alguns casos ensejam severas punições enquanto que em outros, são regra.

Isso sem mencionar a prisão em flagrante, “sem algemas”, em uma rinha de galos, do marqueteiro oficial, Duda Mendonça, que após uma ligação para o amigo ministro, conseguiu não só escapar à punição como punir os policiais que o prenderam.

Por isso fiz restrições ao fato do Ministério da Justiça ser entregue a um petista, um ex-dirigente partidário.

A opinião pública talvez não perceba o terreno movediço em que está pisando ao comemorar o espetáculo policial.

Pode estar repetindo o erro do vizinho na parábola da omissão.

Na parcela da população menos esclarecida, não tenham dúvidas de que, as recentes prisões atingiram o objetivo.

O autoritarismo encontra terreno propício para crescer na base da pirâmide, tão machucada pela impunidade e pela injustiça social.

Não temo aqui pelo destino dos culpados, seja o bicheiro ou o magistrado que vende sentença, que têm de prestar contas à Justiça e à sociedade.

Estes precisam ser punidos com severidade, como determina a Lei.

Resolvi vir à tribuna hoje para defender o Estado de Direito, as instituições democráticas, a Constituição, a sociedade.

Vim chamar a atenção do Congresso e da nação para a possibilidade da existência, entre tantos culpados, de um único inocente, que jamais terá a sua vida de volta após aparecer em rede nacional de TV como bandido, fraudador ou sonegador.

Muito Obrigado”.