Por Breno Rocha* Não é por menos que as irregularidades observadas pela Controladoria Geral da União – CGU – se repitam escandalosamente sempre no âmbito do Sistema Penitenciário, quer seja no Estado do Pará (onde se constatou, entre outras coisas, 300% de superfaturamento na construção de um presídio), em Minas Gerais, com referência à aquisição de equipamentos de vídeo e em Pernambuco, referente a vários itens, inclusive superfaturamento de reformas de Unidades Prisionais e aquisição de equipamentos.

O descaso da opinião pública para com a questão prisional tem se transformado, ao longo do tempo, em elemento facilitador de operações escusas a partir do sistema penitenciário.

Este descaso se deve, em parte, a uma questão histórica: a prisão, no Brasil, nunca foi “assunto” relativo às elites (considere-se este termo no seu significado mias abrangente).

O nosso país, assim como a Austrália, foi fundado na condição de, como disse Euclides da Cunha no seu “Os Sertões”, “vasto presídio”.

Uma imensa “cadeia” de regime semi-aberto, na qual a pena aplicada nunca fora a restrição espacial celular (prisão em celas).

Cadeia, conforme conhecemos, no nosso querido país, só fora realmente inventada na qualidade de “depósito” para escravos fugidos e recapturados em localidades distantes dos seus cativeiros originais.

Por isso, precisava-se de um lugar para mantê-los enquanto seu dono viria resgatar-lhes.

E mesmo na sua evolução, a prisão de outrora nunca fora preferencialmente aplicada como pena aos brancos.

A estes o degredo para a África e o confisco de bens se impôs como regra, restando o cárcere quase que invariavelmente aos negros e ao branco POBRE – aquele que, segundo Joaquim Nabuco, sofria quase tanto quanto o negro, as agruras de um regime de exceção racista.

Essa rápida genealogia é importante para entendermos que, no Brasil, a prisão que surge como extensão da senzala, insiste em se manter como “anexo” dos “mocambos”, como diria Gilberto Freyre, ou se preferirmos adaptar os versos do artista; a prisão é a nova cafua, tanto quanto “a favela é a nova senzala”.

Neste sentido a prisão e os seus assuntos, no Brasil, cristalizaram-se como “coisas de pobre”, “assunto da raia miúda”, “uma questão menor”.

E a ausência de poderes para fiscalizar, denunciar e exigir soluções, por partes dos pobres, para os problemas que lhe afligem exclusivamente (assim como se tornou a escola pública, a saúde pública e, enfim, quase tudo que é público no nosso país) criou uma espécie de “buraco negro” para o qual a força colossal de uma gravidade obscura atrai toda e qualquer “pauta” que busque esmiuçar a problemática prisional.

Exceto, é claro, no que diga respeito ao embrutecimento ainda maior dos castigos impostos à “clientela” das prisões: “quase todos pretos, ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres”.

Graças a este contexto, se, nos anos 90, roubava-se das escolas dos pobres a merenda e tal crime passou a ser mais e mais detectável, sem no entanto ser considerado e tratado conforme a hediondidade de suas conseqüências; se, nos mesmos anos 90, desviava-se a verba para equipamentos e remédios destinados aos hospitais dos pobres e este crime também passou a ser cada vez mais, se não combatido, denunciado.

As prisões, por suas evidente “invisibilidade social”, destinaram-se a ocupar cada vez mais um espaço privilegiado na preferência daqueles que se locupletam da “rés” pública.

O caso em questão, ora pautado pela CGU, no que se refere especialmente a Pernambuco é verdadeiramente escandaloso.

E não apenas pela “excentricidade” dos fatos (afinal, comprar câmaras que filmam em preto e branco e pagar por equipamentos coloridos, em si, já é um escândalo), mas, pela leniência geral de nossa virtuosa sociedade para com o problema.

Me sinto como um personagem do desenho “Carangos e Motocas”, sucesso televisivo da minha infância, o qual repetia insistentemente quando as coisas davam erradas: “eu te disse, eu te disse”, mas, analogias fora e à parte, é importante frisar: nós dissemos… e não de hoje.

A CGU denuncia os desvios das verbas federais, pois, são essas que lhe competem investigar.

Porém, essas são apenas a pontinha de um imenso iceberg, o qual, inexplicavelmente, insiste em permanecer invisível aos poderes locais.

No ano passado, por exemplo, O Deputado Isaltino Nascimento, a partir de denúncias nossas, fez pronunciamento na tribuna da Assembléia Legislativa no qual denunciou a compra de CARNE DE PRIMEIRA para o presídio de Igarassu que recebeu, em seu lugar, RETRAÇO DE CARNE.

O caso constava do próprio Boletim Interno da SERES e, até hoje, nenhuma providência foi tomada.

Apesar de ter comprado carne pelo custo de R$ 5,00(cinco reais) o Kg e ter recebido material que custava à época menos de R$ 1,00 (um real), ninguém foi punido.

Nem a empresa, nem os responsáveis pelo recebimento… ninguém.

A ALEPE ouviu as denúncias do Deputado Isaltino e nenhuma medida adotou.

Essa e outras denúncias, como, por exemplo, o desvio de alimentação na Barreto Campêlo – alimentação licitada e paga com o dinheiro de nossos impostos – para festas em quartéis da Polícia Militar foram enviadas por nós para órgãos como a Corregedoria da SDS e o Ministério Público Estadual e, apesar de já se fazer UM ANO do seu protocolamento, NINGUEM ESTÁ, SEQUER, INDICIADO.

A Corregedoria OMISSA e o Ministério Público CALADO.

Por nossas denúncias (que somam mais de 1500 páginas) fomos desdenhados, chamados de lamoriosos, de radicais, acusados de estar usando os fatos “politicamente” e até de “loucos”.

Mas, agora, a CGU confirma, na parte que lhes toca, as irregularidades criminosas no Sistema Penitenciário pernambucano.

E quanto ao que toca o Ministério Público?

E quanto ao que toca à Corregedoria da SDS?

Ao Tribunal de Contas do Estado?Chegamos, no início do Governo Eduardo, a entregar aos atuais gestores do Sistema Prisional cópias de todas as denúncias encaminhadas ao Ministério Público Estadual, solicitando que se instalasse uma investigação geral sobre os fatos apresentados nas 1500 páginas de documentos e, para nossa surpresa, os Secretários Roldão Joaquim (SDSDH), Humberto Vianna (SERES) e Fernando Matos (SEDH) foram uníssonos em responder: “o Governo Eduardo não fará caça às bruxas”… como se apurar, entre outras coisas, a mal versação do horário público fosse algum tipo de “caça às bruxas”!

E o desdobramento nos foi ainda mais “intrigante”: temos assistido a manutenção em seus cargos de todos aqueles que se viram envolvidos, direta ou indiretamente, com as denúncias aludidas.(!) Isto é, não houve “caça às bruxas”, mas, o prestígios e a manuntenção dos acusados. (Os quais, só para ser propositadamente redundante, não foram investigados, para que não se promova nenhum tipo de “caça às bruxas”) Diante dos fatos, solicitaremos ao Lider do Governo na Assembléia Legislativa a imediata instalação de uma CPI DO SISTEMA PENITENCIÁRIO, solicitação esta que, dado que o Lider do Governo é o mesmo Deputado Isaltino Nascimento, o qual conhece muitas das denúncias de irregularidades ocorridas, acreditamos não terá dificuldade em ser instalada.

Mas, caso “a pauta política do Estado” não garanta a celeridade na referida instalação, iniciaremos uma coleta pública de assinaturas populares em prol da criação da CPI em questão.

E é aí onde entra o interesse popular sobre o tema.

Podemos continuar acreditando que prisão é coisa de pobre e assunto da ralé e, assim, desprezarmos mais uma vez um alerta que vem, agora, da CGU, o qual diz claramente: seu dinheiro está sendo desviado com os auspícios da sua indiferença para com a questão prisional!

E continuarmos a pagar retraço de carne a preço de filé.

Ou, podemos encarar o problema prisional como um problema social, isto é, de todos… enxergar a prisão como coisa pública, assim como a escola e a saúde, por exemplo.

Deste modo, talvez, dentro de mais algum tempo, possamos mudar a configuração social da “clientela” das prisões, fazendo com que ela passe a abrigar BANDIDOS de todas as cores e de todas as classes.

Breno Rocha é Presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores no Sistema Penitenciário do Estado de Pernambuco – SINDASP.