Por Sérgio Montenegro Filho Repórter especial do JC Passadas quatro décadas desde que surpreenderam e chocaram o Brasil com sua irreverência e originalidade, Os Mutantes mostram que continuam em constante mutação.
Redundâncias à parte, o que se viu na madrugada da sexta-feira para o sábado - primeiro dia do Abril Pro Rock no Centro de Convenções - pode ser classificado como uma aula-espetáculo.
Daquelas que roqueiro que se preza não pode deixar de assistir.
Quem perdeu, perdeu mesmo, no sentido estrito da palavra.
Meio fora de moda - desbancada pelas toneladas de música tecnológica e pelos modernismos sonoros chatíssimos, onde a mão humana passa longe das partituras, limitando-se às picapes e samplers - apsicodelia d\Os Mutantes encantou jovens e "jovens" naquela noite.
Gente nascida duas décadas depois que a banda já havia enerrado as suas atividades estava lá, cantando não somente os clássicos como Ando meio desligado, Balada do louco e Top top, mas também mostrando afinação com músicas antes conhecidas apenas por "iniciados", como Dom Quixote, Tecnicolor, El justiceiro.
Cantaram até as mais "estranhas", como Dia 36 e Fuga nº 2.
Da platéia, dava pra ver o entusiasmo dos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias estampado nos rostos.
Ambos beiram os 60 anos de idade, e daí?
Mostraram uma disposição digna dos jovens metaleiros da noiteseguinte.
Arnaldo, pouco falante nos dias de hoje, efeito da forte carga psicodélica e química do passado, tinha até claque formada.
Não paravam de gritar seu nome.
Sérgio, por sua vez, mostrou porque jamais saiu das listas dos melhores guitarristas do Brasil.
Foi acachapante.
E Zélia Duncan?
Bem, fazer as vezes de Rita Lee - que continua evitando qualquer contato com os antigos companheiros de banda - não é para todos.
Até o tom da voz dificultaria isso.
Mas não era essa aproposta, e ela mostrou que não.
A felicidade com que se portou no palco indicava que Zélia estava completamente no clima.
Nem se furtou a usar seu vozeirão grave em algumas canções típicas dos agudos da titia Rita.
Agudos que ficaram a cargo do competente backing vocal contratado pela banda.
Aliás, nenhum dos músicos de apoio que subiram ao palco na sexta-feira tinha sequer nascido quando Os Mutantes estavam na área.
Nem por isso deixam de ser incluídos nos elogios.
Cumpriram seu papel como excelentes "trainees" dos "professores" Arnaldo e Sérgio.
Agora, os Mutantes seguem para turnês fora do País.
E serão muito bem-vindos de volta, sempre que o desejarem.
Numa época de rebolados, odes às calcinhas, dores de corno e pagodes-sem-razão, nada como bom um revival para limpar os ouvidos.
Não tem nada de novo n\Os Mutantes?
Claro que sim!
Tem uma imensa e invejável disposição - revelada por eles no palco - de contribuir exatamente para melhorar esse cenário dramático, no qual as novas gerações nãotêm muito o que colher de bagagem musical.
Graças, inclusive, à falta de seletividade das gravadoras-cifrão e das rádios-mercado. É.Elas vivem disso.
Fazer o quê?
Depois daquela apresentação histórica da sexta-feira, confesso, me faltou pique - vontade mesmo - de assistir aos demais shows do APR nos dias seguintes.
Não tinha mais nada de novo pra ver.
Com todo o respeito às boas bandas que pisariam o solo do palco tornado sagrado pelos Mutantes, a banda, veterana dos veteranos, preencheu todo o espaço do elã que havia em mim pela música naquele final de semana.
Como músico-aspirante, depois de assisti-los - ver aos irmãos Dias naquele empenho adolescente foi mais que uma aula-espetáculo.
Foi uma lição de vida que deve ser seguida por todos os fiéis que louvam o bom e velho rock and roll.
Saravah, Mutantes!