"QUEM NÃO TEM COLÍRIO…" Por Breno Rocha Conforme noticiou esse atento Blog, a Secretaria Executiva de Ressocialização (SERES) acabou de adquirir, por meio de "Carta-convite", 150 funerais com intenção de "atender a necessidade da população carcerária pelo período de um ano", de acordo com o que reza a Portaria exarada pelo Secretário Humberto Vianna, publicada no Boletim Interno da SERES datado de 30 de março.

O Gerente de Logística da SERES (e também sobrinho do Secretário), Ulisses Viana declarou ao Jornalista Sílvio Burle, durante a aludida matéria, que "a contratação prévia de funerais é um procedimento normal dentro do sistema penitenciário", e foi justamente nesse momento que me estalou na lembrança a letra do inesquecível Raul Seixas: "quem não tem colírio…" compra logo os caixões!

Veja bem, querida leitora: no presente momento há uma falta generalizada de medicamentos nas unidades do sistema penitenciário pernambucano.

Eu sei que sempre surgirão aquelas mulheres e aqueles homens de bem para questionarem se presos têm direito a coisas que, segundo seu acurado senso moral, deveriam lhes ser privadas: coisas assim como três refeições por dia, água potável em quantidade suficiente, serviço de saúde, medicamentos, entre outras "regalias" que deveriam ser "privilégios" apenas dos homens e das mulheres de bem.

Pensamentos como esses me remetem sempre ao aforismo de um ex-preso, o escritor inglês Oscar Wilde, que disse: "repugnam menos os crimes cometidos pelos perversos, que as punições infligidas pelos bons".

Mas, voltemos à falta de remédios, deixando um pouco de lado a crueldade verborrágica dos bonzinhos.

Unidades prisionais superlotadas e com altos índices de doenças infecto-contagiosas encontram-se sem qualquer medicamento que seja.

Caso um encarcerado ou uma encarcerada esteja fazendo tratamento medicamentoso sua família tem que dar um jeito de trazer o remédio de casa, fato que remete a uma tênue, mas, nauseabunda semelhança com o sistema penitenciário chinês: sendo que por lá, cabe à família fornecer não apenas os medicamentos utilizados pelos encarcerados, mas, também as munições nos casos de execução, segundo contam.

Porém, não são apenas as unidades prisionais que estão sem nenhum medicamento.

O HOSPITAL de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), local onde são reclusos pacientes de distúrbios mentais que cometeram diverso tipos de crimes, inclusive os de atirar pedras em vidraças de lojas ou andar frequentemente nus pelas ruas da cidadezinha do interior, também se encontra sem nenhum medicamento.

Segundo informações, na semana passada a Diretora do HCTP teve que comprar do seu próprio bolso uma quantidade emergencial do medicamento AMPLICTIL (Cloridrato de clorpromazina), pois não havia no HOSPITAL PSIQUIÁTRICO uma só unidade do referido medicamento.

De posse dessa informação fica claro o porquê do sobrinho do secretário e também Gerente de Logística da SERES afirmar que "a contratação prévia de funerais é um procedimento normal dentro do sistema penitenciário", assim como revela-se ao leitor porque tal afirmação me remeteu a Raul Seixas; afinal, "quem não tem colírio usa óculos escuros" e quem não tem remédio, compra antecipadamente os caixões!

Há, convenhamos, uma lógica na utilização de R$ 72.952,50 na compra antecipada de caixões e coroas de flores.

Uma lógica cruel, perversa e macabra, mas, que nem por isso deixa de ser lógica.

Não há, creio eu, lógica alguma em não se comprar medicamentos para o Sistema Penitenciário a fim de "atender a necessidade da população carcerária" nem sequer por um dia.

Melhor seria, acredito, que esses quase 73 mil reais fossem usados para comprar medicamentos para recompor o estoque das unidades prisionais, assim, talvez, os que utilizassem os remédios não precisassem utilizar os caixões.

Mas, enquanto Ulisses Viana – que chegou ao sistema penitenciário na companhia do tio, apenas em fevereiro deste ano – decreta ser NORMAL adquirir perto de 73 mil reais em caixões antecipadamente, isto é, mesmo que não haja ainda nenhum morto para utilizá-los, nas nossas unidades prisionais os que não têm colírio continuarão usando óculos escuros e os que não têm filé, comem "xerém de manhã e manguzá à noite, nos dias pares, sendo que nos dias ímpares, manguzá de manhã e xerém de noite…".

PS: Breno Rocha é Presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores no Sistema Penitenciário do Estado de Pernambuco – SINDASP.