Por Inaldo Sampaio Colunista do Jornal do Commercio O senador Marco Maciel (DEM) não se cansa de argumentar: o Brasil só se tornará uma democracia forte se fizer uma reforma institucional que fortaleça os partidos, equilibre as atribuições da União, dos Estados e dos municípios e dê condições de governabilidade ao presidente da República.
Essa sua luta foi iniciada há mais de uma década, mas só ganhou consistência nos últimos dois anos depois que o presidente Lula quase era apeado do poder por falta de sustentação política no Congresso.
Nesta entrevista, o ex-vice-presidente admite ser favorável à implantação do voto distrital misto e diz os motivos pelos quais permanece sendo “presidencialista ortodoxo”.
Como antigo defensor da reforma política, qual o seu ponto de vista sobre a afirmação do ex-presidente Fernando Henrique de que o primeiro passo para se fazer essa reforma deveria ser a implantação do voto distrital?
Marco Maciel – Antes de mais nada eu gostaria de dizer que a reforma política, que eu preferia chamar de “reforma institucional”, é a mãe de todas as reformas e deveria ser a primeira a ser tratada na atual legislatura.
Considero também que essa reforma não pode deixar em absoluto de enfrentar certas questões que a meu ver são essenciais.
Quais, por exemplo?
Maciel – Não podemos mais continuar com esse sistema eleitoral que praticamos, ou seja, com o voto proporcional e listas abertas.
Ele não nos conduz à vertebração de verdadeiros partidos políticos.
Mas isso não significa que eu seja um defensor do voto distrital puro, tal como preconiza o presidente Fernando Henrique. É defensor então do (voto distrital) misto?
Maciel – Eu acho que o misto seria possível.
Num país da expressão territorial e da densidade demográfica como o nosso é absolutamente fundamental que se busque uma representação mista, ou seja, metade eleita pelo voto majoritário (distrital) e a outra metade pelo voto proporcional.
Acho que esse seria o caminho.
Mas devo dizer também que estou convencido de que é necessário tomarmos algumas providências para fortalecer os partidos políticos.
A cláusula de desempenho é uma delas bem como a aprovação de uma emenda constitucional que defina que a titularidade do mandato não é do parlamentar, e sim do partido (o senador é o autor dessa PEC que ora tramita na Comissão de Justiça).
O voto no Brasil não pode continuar sendo fulanizado.
O eleitor deve votar num programa de governo e não simplesmente numa pessoa.
A reforma se esgotaria por aí?
Maciel – Não.
Considero também que essa reforma não deve englobar apenas o sistema político.
Temos que avançar também no aprimoramento do nosso sistema de governo e na modernização dos três poderes.
O Judiciário, que de certa forma já foi reformado, embora outros passos ainda precisem ser dados, o Executivo, para melhor atender às demandas da sociedade, e também o Legislativo, que precisa passar por um processo de modernização.
Como assim?
Maciel – As medidas provisórias, por exemplo.
Elas têm sido um fator de tensão permanente entre o Legislativo e o Executivo.
Desde que, pela Emenda Constitucional nº 32, elas passaram a trancar a pauta do Congresso, isso a um só tempo retirou uma grande parte do poder legiferante do Congresso e deu ao presidente da República a hegemonia do poder de legislar.
O senhor passou também pelo Executivo. É possível governar um País dessa dimensão e dessa complexidade sem o auxílio das medidas provisórias?
Maciel – Creio que sim.
Certas matérias poderiam tramitar mais rapidamente se fossem enviadas ao Congresso como projeto de lei e negociadas com os líderes das bancadas.
Por exemplo: muitas medidas provisórias que estamos votando no Senado podem até ter atendido ao pressuposto da “urgência”, mas não atendem ao da “relevância”.
Se fosse criado um entendimento interinstitucional entre os poderes, o processo legislativo, com certeza, fluiria com mais rapidez.
Além disso, há outro tópico importante da reforma institucional, que é a questão da federação.
No Brasil, ela está em crise porque cada vez mais aumenta a concentração de poderes nas mãos da União em detrimento dos Estados e dos municípios.
Isso é paradoxal porque os constituintes de 1988, pela primeira vez, reconheceram os municípios como “entes federativos”.
Um País do tamanho do nosso não pode deixar de ser governado descentralizadamente.
Fomos no império um Estado unitário e só a partir da Constituição de 1891 uma República Federativa, bicameral e presidencialista.
Apesar disso, ela não conseguiu dar aos Estados e municípios a autonomia de que eles precisavam.
A Constituição de 46 procurou fortalecer a federação, porém sem o êxito que nós esperávamos.
Por quê?
Maciel – Porque a União tem avançado muito nos chamados “planos nacionais”, subtraindo competências e atribuições que seriam dos Estados e dos municípios.
Essa é outra questão que considero essencial.
Lembraria ainda que antes da proclamação da República, em 1889, já havia a idéia entre os políticos brasileiros de que a federação era essencial ao País e vou exemplificar com dois grandes nordestinos: Joaquim Nabuco (pernambucano) e Ruy Barbosa (baiano).
Nabuco era monarquista, posto que reconhecia o apoio que recebera inclusive da princesa Isabel à luta pela abolição do trabalho escravo, mas entendia que deveríamos ter uma monarquia federativa.
O outro foi Ruy Barbosa, tido como o grande patrono da República.
Ele se convenceu de que sem a queda da monarquia não se constituiria no País uma verdadeira federação.
Daí eu esperar que a reforma político-institucional contemple todos esses aspectos a adite a isto um outro que eu considero também essencial.
Qual é?
Maciel – Promover as condições para que nós consigamos restaurar as instituições republicanas não como forma de governo, mas naquele sentido que Cícero (filósofo romano) emprestou ao termo: “res” (coisa) pública.
Ou no sentido emprestado por Joaquim Murtinho, ainda no começo do século passado: é necessário “republicanizar” a República. É preciso restaurar os valores republicanos, muitos dos quais hoje erodidos.
A quem caberia a iniciativa dessa reforma, ao Executivo ou ao Congresso?
Maciel – Isso fluiria mais rapidamente se houvesse um entendimento entre os partidos políticos.
E, não sendo possível de uma só vez, deveríamos fazê-la por etapas.
Há uma expressão que eu não gosto muito de usar, mas é muito comum entre os congressistas: “fatiar”.
Prefiro a expressão “por etapas, sem pressa, mas também sem descanso”.
Nesse contexto de reforma institucional haveria espaço para uma nova discussão sobre a implantação do parlamentarismo?
Maciel – Eu continuo presidencialista, mas defensor de um moderno presidencialismo.
Antes, porém, gostaria de fazer uma observação: o nosso presidencialismo foi transportado do modelo americano e como sempre ocorre nos transplantes há sempre o risco de rejeição.
Uma coisa era o extrato cultural que predominou no século 18 que fez com que os Estados Unidos promulgassem uma Constituição que já dura mais de 200 anos, com apenas 26 emendas.
Mas as condições brasileiras eram diferentes.
Acho, portanto, que devemos buscar um presidencialismo que seja “equipotente”, ou seja, que possa distribuir melhor as atribuições entre os diferentes entes governamentais.
Além disso, o nosso processo democrático incorporou novos atores, o que levou Robert Dahl (cientista político norte-americano) a declarar que vivemos hoje numa “poliarquia”, ou seja, os atores políticos não são apenas os três poderes da divisão clássica de Montesquieu: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Há novos atores na sociedade como o Ministério Público, a imprensa, as organizações não-governamentais, o “stablishment” empresarial, etc.
Esses atores também interferem vivamente no chamado processo decisório.
Mesmo assim o senhor continua sendo um presidencialista ortodoxo?
Maciel – Sim, apesar de todas as tentações para que eu revisse a minha posição, inclusive de Ulysses Guimarães e do jornalista (falecido em 1993) Carlos Castello Branco.
Ambos eram parlamentaristas e achavam que eu devia me converter a esse sistema de governo.
Por que o senhor acha que o parlamentarismo não daria certo num País como o nosso?
Maciel – Eu diria, em primeiro lugar, que para sairmos do presidencialismo para o parlamentarismo precisaríamos, e essa é uma condição inafastável, ter partidos sólidos, estruturados, densamente vertebrados.
Sem estruturas partidárias com solidez, implantar o parlamentarismo seria implantar a crise no Brasil. É um sistema político que se caracteriza por sua higidez e não sobreviveria sem essas condições.
Daí porque a necessidade de fazermos o quanto antes essa reforma institucional.
Isso é um pressuposto indispensável para que o Brasil saia desses pífios índices de crescimento.
Eu sou otimista.
O Brasil tem todas as condições para resolver os seus problemas econômicos e sociais, mas, para isso, precisa fazer essas reformas.